FOLHAPRESS – O novo “O Corvo” ocupa posição estranha nos remakes do momento em Hollywood, buscando uma nova leitura dos quadrinhos de James OBarr e ignorando a versão anterior dos cinemas. A decisão vai na contramão de hits recentes, como “Twisters” e “Alien: Romulus”, e parece antiquada em tempos de continuações simbólicas, cheias de repetições simplórias.
Apesar de todos os erros que saem disso, a decisão do longa é compreensível pela morte de Brandon Lee. O acidente que matou o ator no set do original, lançado em 1994, impede qualquer adaptação posterior de usar o filme por uma questão simples de mau gosto. O medo de se passar por coveiro, remoendo a tragédia pelo dinheiro, proíbe o filme de agora de retornar ao passado e o impele a seguir em frente.
“O Corvo” noventista também tinha uma rebeldia única, que inviabiliza qualquer cópia vagabunda o que só piora a situação do novo capítulo. A produção já era fadada ao dramático antes mesmo da morte de Lee. Ela abraçava a moda da época no caso os “Batman” de Tim Burton e a sua paixão por Edgar Allan Poe, explodindo como um carnaval barroco.
Se o gótico renovou o seu público nos últimos 30 anos, o filme de Alex Proyas continuou único por um punhado de intenções ingênuas. A história de Eric Raven, que volta dos mortos para vingar a sua morte e a da amada, virou uma forma de expressar a dor da revolta com o mundo. Caiu como uma luva na juventude da época, que na virada do século levava uma indignação niilista sobre todas as coisas.
Na falta de um contexto, um momento ou um timing parecido, o remake se esforça para encontrar qualquer excentricidade que preencha o vazio. O filme demora quase uma hora para apresentar, matar e ressuscitar Eric, sempre dando motivos para justificar a vingança da história. Essa decisão chama a atenção, em especial porque a versão de 1994 estabelecia tudo nos primeiros dez minutos.
Nesses primeiros 60 minutos, “O Corvo” busca encontrar o seu público, qualquer que ele seja. O alvo parece o espectador de filmes como “Jogos Vorazes” e “Divergente”, porque o Eric da vez flerta com uma ameaça institucional, o sistema.
O personagem vivido por Bill Skarsgard começa a trama internado em uma clínica, onde sofre bullying dos colegas. Ele foge eventualmente de lá por causa de Shelly, papel de FKA Twigs, que força entrada e saída do instituto para fugir de uma seita demoníaca.
Ela foge porque tem um vídeo que incrimina o líder da seita, interpretado por Danny Huston, e por isso o casal acaba morto. Depois disso, a clínica e o vídeo incriminador desaparecem e a trama segue a receita original. Eric retorna, aprende os seus poderes e sai para acertar as contas com os criminosos.
Toda essa contextualização cansa no filme, que até chegar nos finalmentes já aborreceu o público. O remake exagera tanto nos motivos que atenua a revolta de Eric com o alvo simples dos criminosos, ao invés de se banhar no lamento da perda. As explicações se atrapalham, exigindo que o espectador encare um casal que teve 48 horas de convivência como um grande amor.
Os defeitos lembram o peso da troca na direção, que substitui um esteta ingênuo por um capataz de confiança. Responsável pela nova versão, Rupert Sanders passa longe da crença de Proyas pela inocência. Se o original navegava entre os gibis e a poesia, o filme atual está mais interessado em atravessar modas diferentes de um catálogo de vendas.
O Eric de Skarsgard traduz isso na colagem confusa do personagem. Em alguns momentos, o ator lembra o trabalho de Joaquin Phoenix como Coringa, primeiro na clínica e depois ao se tornar o herói. Em outros, assume a postura desastrada, vivendo o vigilante como uma criança que vive a tropeçar enquanto aprende a andar.
As decisões medíocres derrubam o filme, mas Rupert Sanders pelo menos pode dizer que tenta novos ares. Ele aumenta a violência gráfica e reconta a história como peça trágica, com direito a Praga de cenário e a Ópera da cidade de palco da ação. Ele faz da trama um pesadelo de aço e concreto, com a cidade servindo este fim.
O problema é que tudo que há de novo na adaptação está a favor do exercício de reprodução, como uma pintura moderna restrita a copiar os traços da Monalisa. Se “O Corvo” de Proyas soava como um poema de Poe interpretado por uma criança de 12 anos, o remake parece um adulto esforçado na tarefa de repetir os passos do infante.
O CORVO
– Avaliação Regular
– Quando Estreia nesta quinta (22) nos cinemas
– Classificação 18 anos
– Elenco Bill Skarsgard, FKA Twigs e Danny Huston
– Produção Estados Unidos, 2024
– Direção Rupert Sanders
PEDRO STRAZZA / Folhapress