RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Filósofo, escritor, professor e hoje também reconhecido palestrante internacional, Báyò Akómoláfé contesta a busca por soluções definitivas diante de crises como a climática. Ele nos convida a habitar o imprevisto e a incerteza, trilhar caminhos experimentais e cultivar santuários, espaços onde possamos desacelerar, desaprender e imaginar outras formas de vida, guiados por práticas culturais e comunitárias.
Articulador de conceitos como pós-ativismo e decoloniedade, Akómoláfé explorou, durante seu doutorado em psicologia clínica na Nigéria, o trauma, a saúde mental e os caminhos da cura por meio de encontros com curandeiros tradicionais.
Atualmente, dirige a plataforma The Emergence Network, rede voltada à busca do que chama de “respons(h)abilidade”, e vive entre a Índia e os Estados Unidos, onde leciona.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, o pensador explicou o ceticismo em relação a termos como ESG e justiça climática e os riscos do ativismo climático se tornar um instrumento do establishment, ao adotar formas de lidar com a crise que podem, paradoxalmente, perpetuar a própria crise.
Akómoláfé, filho de pais iorubás, descreve o Brasil como seu lar espiritual, o lugar onde viveu alguns dos momentos mais marcantes de sua vida intelectual.
“Foi onde descobri aspectos de mim que desconhecia, como a relação com os orixás que migraram da Nigéria, onde cresci, e se enraizaram no Brasil.”
O filósofo esteve recentemente no Brasil para dar início às filmagens de “Em Tempos Urgentes, Vamos Desacelerar”, dirigido por Maria Clara Parente, uma iniciativa da Spanda Produtora, em parceria com a Simbiótica Filmes.
O filme é descrito como uma experiência surrealista e sensorial que acompanha Akómóláfé, guiado pelo orixá Exu, numa “viagem do tempo” pelo Brasil, para compartilhar suas visões afrodiaspóricas e novas perspectivas sobre caos climático, injustiça racial e ascensão do fascismo, entre outros temas.
“Mesmo que o iorubá não exista no Brasil como uma língua popular, a cultura está muito viva. Me chamou atenção como as cosmologias negras conseguiram se sincretizar com cosmologias indígenas para criar algo novo. É interessante pensar o iorubá como uma força diaspórica e vejo isso florescendo no dia a dia, nas festas, no Carnaval, nas formas como as pessoas usam cores”, avalia.
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PERGUNTA – Quais são os seus questionamentos a conceitos como ESG e justiça climática?
BÁYÒ AKÓMOLÁFÉ – Alguns conflitos e alguns problemas não são resolvidos com resoluções. Eles exigem acompanhamento, envolvimento. Muitas vezes falamos sobre justiça como se fosse um ideal, um destino a ser alcançado.
Entendo que algumas das dinâmicas em jogo aqui exigem algum tipo de solução, como oferecer apoio filantrópico, avanços tecnológicos ou ação legislativa diante de um problema como o caos climático. Ao mesmo tempo, não acho que o problema seja simplesmente que o clima está enlouquecendo. Acho que o problema é que nós, em nossa relação com o mundo, não sabemos como lidar com esse momento.
É como se estivéssemos tentando tratar as coisas à distância. A justiça é a inteligência da ordem pública. E eu acho que essa crise em que estamos nos convida a reformular o que significa o público.
P – Como define o pós-ativismo?
BA – Quando coloco a discussão sobre o pós-ativismo, estou perguntando: e se a forma como respondemos à crise for exatamente a crise? Com ativistas do clima e ambientalistas, parece que a maior parte de nossa atenção está voltada para as pessoas que são responsáveis pelas crises.
E me pergunto se não há um convite no ar para que percebamos como estamos sendo convidados a nos transformar como espécie, como povo, como comunidade, para cultivar outras maneiras de nos percebermos e de percebermos o mundo e as relações ao nosso redor.
P – Onde percebe que o sistema já está apresentando falhas? E como podemos buscar formas alternativas de poder em meio ao crescente caos climático e autoritarismo ao redor do mundo?
BA – Quando tentamos criar alternativas, há várias coisas que reforçam as filosofias das quais estamos tentando escapar. Uma é o compromisso irônico com a estabilidade daquilo do qual estamos tentando escapar, e a segunda é que sistemas não vêm em forma pré-embalada.
O capitalismo não foi inventado, não foi projetado, é um gesto recursivo, relacional, intergeracional, emergente. Ele é sempre especulativo e está constantemente se tornando outra coisa.
Em algum lugar na costa da Califórnia, não me lembro exatamente onde, existem plataformas de petróleo que foram desativadas há anos. Os ativistas odiavam a feiura dessas plataformas de petróleo e queriam derrubá-las, até que descobriram que a infraestrutura dessas plataformas de petróleo tinha se tornado um refúgio seguro para os peixes. Um santuário aquático que surgiu dos canos, das tubulações e dos mecanismos dessas plataformas de petróleo.
Para os ativistas, é algo maligno, deve ser derrubado, mas, para o planeta, ela se tornou outra coisa. O planeta está brincando com a identidade dessas coisas que costumamos patologizar e nomear com tanta rigidez. É isso que o pós-ativismo propõe: um convite à leveza, à agilidade, a não estarmos tão presos a certezas.
P – Na sua página no LinkedIn, o senhor descreveu uma das suas tardes nas montanhas de São Paulo como um momento muito especial. Como foi a sua última viagem ao Brasil?
BA – O Brasil é meu lar espiritual, é o lugar onde encontrei minha alma. Os momentos mais emocionantes da minha vida intelectual e pública foram instigados e provocados por meu tempo no Brasil e pelos relacionamentos e pelas conversas que tenho no país.
Não há nada mais generoso do que não apenas desfrutar de comida, bebida e conversas, mas também de outros aspectos de mim mesmo que eu nunca soube que existiam, como conhecer os orixás, porque eles migraram da Nigéria, onde cresci, e como eles foram e viveram e se estabeleceram no Brasil.
P – Poderia compartilhar as experiências de ‘hospitalidade radical’ que experimentou no país e o que o levou a fazer uma doação para Dona Ilda, que mantém uma horta comunitária em Brasilândia, na zona norte de São Paulo?
BA – Prefiro falar não sobre mim, minha doação, mas sobre o trabalho dessa mulher, desses jovens e idosos e de espaços intergeracionais que estão sendo construindo nas comunidades que visitei. Uma senhora inicia uma horta, cuida dela há décadas, alimenta a comunidade e sabe dizer: “Esta planta é medicinal. Tome esta pela manhã, não tome aquela à noite”. Fiquei profundamente tocado por essa experiência e a partir desse sentimento surgiu meu gesto.
Conversei também com uma mulher [Juçara Terezinha Zottis] que criou uma rádio comunitária, a rádio Cantareira. Ela fala sobre questões que a maioria das emissoras ignora. Foi perseguida, ameaçada e mesmo assim persiste. São essas pessoas que quero destacar e celebrar.
P – O que acrescentaria no seu livro “These Wilds Beyond Our Fences: Letters to My Daughter on Humanity’s Search for Home”, que poderia ser traduzido como “esses horizontes além de nossas cercas: cartas para minha filha na busca da humanidade por um lar”, se ele fosse lançado hoje?
BA – Acho que se eu escrevesse uma sequência para este livro seria acompanhando minha filha enquanto ela atravessa o oceano, enquanto navega, enquanto reflete sobre a perda, enquanto recolhe plástico do mar, não para salvar o planeta, mas para sentir suas tensões. Eu a seguiria como em uma expedição.
Minha aparição fantasmagórica a acompanharia enquanto ela compõe um ritual. Uma das pessoas mais queridas para mim é Laura Peña Zanatta, uma artista e pensadora que reflete muito sobre rituais e sobre como estes tempos clamam por ritual. Estou escrevendo meu próximo livro, cuja tese central aborda esse tema.
RAIO-X
Báyò Akómoláfé, 41
Doutor em psicologia clínica pela Covenant University, na Nigéria, é filósofo, escritor, ativista e professor de psicologia. É diretor executivo e curador-chefe da The Emergence Network e leciona no Pacifica Graduate Institute. Em 2025, será pesquisador visitante na Case Western Reserve University, em Ohio (EUA). É também membro do Clube de Roma e da Royal Society of Arts.
CRISTIANE FONTES / Folhapress