RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A delação do ex-policial militar Élcio de Queiroz, acusado de participar do assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, em março de 2018, contradiz informações relacionadas ao crime que haviam sido negadas por ele em depoimentos passados.
A colaboração firmada pelo ex-PM causou uma reviravolta no caso, investigado agora pela Polícia Federal e o Ministério Público.
Um dos pontos mais importantes da delação é a confissão de Élcio de que era ele quem dirigia o carro usado no assassinato da vereadora e de seu motorista. Até então, o ex-policial negava qualquer envolvimento no crime.
Marielle e Anderson foram assassinados a tiros no dia 14 de março de 2018, após o carro onde estavam ser alvejado no Estácio, na região central do Rio. Um ano após a morte, Élcio foi preso junto com o policial reformado Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos.
Na delação, Élcio atribuiu o crime a Ronnie, de quem era amigo havia 30 anos. Ele afirma que o policial reformado planejou a execução, enquanto ele, o delator, teria participação apenas na noite do assassinato e no desmanche do carro utilizado.
Veja, ponto a ponto, as divergências entre o que Élcio falou em sua colaboração, em junho, e o que ele disse em depoimento em novembro de 2019, depois de ter sido preso.
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DIA DO CRIME
Versão anterior: No depoimento de 2019, Élcio disse que no momento em que a vereadora foi morta ele estava na casa de Ronnie Lessa.
Ele havia afirmado que chegou à casa de Ronnie às 17h e ficou lá até por volta das 22h, quando seguiram para um bar na rua Olegário Maciel para assistir ao jogo Flamengo e Emelec. Também disse que ele e o policial reformado ficaram bebendo lá até as 4h e, depois, voltaram para o condomínio Vivendas da Barra, onde Ronnie Lessa morava.
“Na madrugada voltamos, ele deixou eu entrar na casa dele, peguei meu carro e fui embora”, disse Élcio, afirmando que, depois, foi direto para sua própria residência.
A versão de Élcio no depoimento foi rebatida pela mulher de Ronnie, Elaine Lessa, que afirmou aos investigadores que os dois não ficaram em casa naquele final de tarde e início da noite.
O que disse agora: Ao confessar ter participado do crime, Élcio detalhou o passo a passo do que ele e Ronnie fizeram naquele dia. Segundo o ex-PM, ele recebeu uma mensagem do amigo ao meio-dia dizendo que precisaria que dirigisse para o policial reformado à noite.
Depois, os dois se encontraram na casa de Ronnie Lessa, às 17h.
Na delação, Élcio afirmou que o policial reformado o esperava na porta de casa, dentro do condomínio Vivendas da Barra, e que saíram logo em seguida no carro do amigo.
Segundo a nova versão, eles foram até uma rua sem saída, onde entraram em um Chevrolet Cobalt prata. Seguiram para o centro e passaram a acompanhar os passos de Marielle. Entre 21h09 e 21h12, emparelham o carro junto ao que estava a vereadora e, diz Élcio, Ronnie a matou a tiros.
NOITE NO BAR
Versão anterior: A delação de Élcio também contradiz a versão dada por ele sobre o período em que ficou no bar naquela noite. Inicialmente, o ex-PM afirmou que assistiu ao jogo acompanhado só de Ronnie.
Em 2019, ele afirmou que o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, conhecido como Suel, preso na segunda (24) sob a suspeita de envolvimento no assassinato, poderia até estar no bar, mas não o tinha visto.
O ex-PM disse que mexeu no celular a noite inteira e que não ficou longe no aparelho. “Lembro que minha esposa mandou até uma mensagem para mim quando eu estava no resenha. Eu usei normalmente o meu telefone”, afirmou na época.
O que disse agora: Na delação, Élcio afirmou que dividiu a mesa com o ex-bombeiro Maxwell e que ele conversou sobre o crime com Ronnie. “Ele [Suel] falou ‘pô cara, fiz um tempão, estava um tempão nessa situação, e deu problema no carro’, se desculpando”, disse Élcio na delação, fazendo menção a uma primeira tentativa de matar a vereadora, no final de 2017.
Élcio também declarou que deixou o celular no carro de Ronnie Lessa, ainda na Barra.
CARRO USADO NO CRIME
Versão anterior: No depoimento de 2019, o ex-PM foi categórico ao afirmar que nunca tinha visto o Chevrolet Cobalt prata, usado no crime nem tinha nenhum conhecimento sobre o assunto.
O que disse agora: Élcio declarou que já tinha visto o carro antes da data do crime. Na ocasião, Ronnie e Suel estariam com o veículo no Quebra-Mar da Barra da Tijuca. O ex-PM afirmou ainda o Cobalt tinha procedência duvidosa, que poderia ter sido “clonado ou roubado”.
Na delação, Élcio também afirmou que esse tipo de carro era usado por Ronnie em, nas suas próprias palavras, “trabalho”.
“Não era uma coisa que todo dia tinha um carro diferente, não era nesse sentido, era que eventualmente ele tinha um carro ruim sim, nessas condições”, disse.
ARMAS
Versão anterior: Em 2019, Élcio afirmou que não tinha costume de ver as armas de Ronnie Lessa nem sabia onde eles aguardavam. “Perguntar onde ele guarda a arma dele é complicado, né?”, disse à época.
No depoimento, disse que em geral vi apenas a pistola Glock que Ronnie portava e que uma vez o amigo mostrou uma outra arma a ele, mas que não era a mesma utilizada no crime, uma submetralhadora MP5.
O que disse agora: Élcio deu detalhes das habilidades do policial reformado com armas, principalmente em montar silenciadores, e disse que já o vira fazendo isso diversas vezes –tendo, inclusive, pedido ao ex-PM para que o ajudasse na montagem de silenciadores em diversos modelos de armamento.
Além disso, o delator afirmou também que Ronnie Lessa tinha um carinho especial pela arma que teria sido usada para matar Marielle. Segundo a delação, a MP5 supostamente foi extraviada de um incêndio no Bope (Batalhão de Operações Especiais), nos anos 1980. Ela teria sido usada pelo policial reformado na época que ele estava lotado no grupamento.
VERSÕES COMBINADAS
Versão anterior: Élcio disse que ele e Ronnie Lessa tinham se encontrado num bar despretensiosamente e comentaram apenas que haviam sido chamados a prestar depoimento à polícia. O ex-PM afirmava que não sabia o motivo de ter sido chamado à delegacia.
A polícia, no entanto, suspeitava de que os dois tenham combinado o que falariam em depoimento à Delegacia de Homicídios, antes de serem presos. A possibilidade de eles terem alinhado as versões foi levantada pelos investigadores após os dois terem se encontrado antes de depor à Polícia Civil.
O que disse agora: Élcio declarou na colaboração: “A gente conversou e a única coisa [é] que a gente chegou a um consenso de imediato”, disse. “Vou dizer que não sei onde estava e o Ronnie também.”
O ex-PM conta que combinou com Suel para que ele usasse como álibi que estava com a esposa naquela noite. Élcio afirmou ainda que os três receberam o conselho de um policial amigo, identificado apenas como “Vinícius”, para que eles não fossem à polícia já com um advogado.
“Advogado chamaria muita atenção”, disse.
CAMILA ZARUR / Folhapress