O que é, afinal, o Pensamento de Xi Jinping? Entenda ideias do líder chinês

PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – O que é a comunidade com futuro compartilhado de que o líder da China tanto fala? E o que é a prosperidade comum?

Livros lançados nos últimos meses, em português, buscam ilustrar esses e outros conceitos do Pensamento de Xi Jinping, incorporado em 2018 à Constituição do país, a exemplo da Teoria de Deng Xiaoping e do Pensamento de Mao Tse-tung. Xi é um dos principais participantes da Cúpula de Líderes do G20, no Rio, que ocorre nesta segunda (18) e terça (19).

Isabela Shi, jornalista da Rádio China Internacional, parte do Grupo de Mídia da China, trabalhou na edição brasileira de três livros: “A Redução da Pobreza”, lançado em junho, e os volumes 1 e 4 de “A Governança da China”.

O primeiro, que conta 67 histórias da trajetória do líder ocorridas de 1969 a 2020, é “uma boa mostra do processo longo de formação dos pensamentos de Xi”, afirma Shi, “ao trabalhar em aldeias, municípios, províncias e até nas autoridades centrais”.

Pode ser lido como uma introdução às suas ideias, a começar da “prosperidade comum”, expressão também usada por Deng e Mao, mas enfatizada por ele com foco na redução da pobreza e do desenvolvimento desequilibrado, ou seja, da desigualdade.

Outro livro, “Superar a Pobreza”, escrito pelo próprio Xi, 71, em 1992 e lançado na última terça-feira (12) no Rio de Janeiro, traz “as ideias preliminares que acumulou no seu trabalho de base”, afirma Shi. Ele atuou em nível municipal e distrital em várias cidades da província de Fujian, de 1985 a 1993.

“É onde Xi trabalhou mais tempo, a experiência que pegou deve ser a mais preciosa”, diz ela. “Ningde, em Fujian, apesar de estar na costa leste, tinha seis de seus nove distritos classificados de pobres.”

Já os volumes de “A Governança da China”, descreve a jornalista, reúnem intervenções ou discursos de Xi em linguagem mais formal, “com muitas expressões de lógica chinesa”. O primeiro inclui uma breve biografia. Os quatro são a base para abordagens mais detalhadas ou acadêmicas sobre o Pensamento de Xi.

Evandro Menezes de Carvalho, professor da FGV-RJ que acaba de voltar ao Brasil após uma segunda temporada dando aulas em universidades chinesas como Fudan, em Xangai, está lançando neste mês “China: Tradição e Modernidade na Governança do País”.

O livro, diz ele, aborda a China de hoje como reflexo de sua própria história, em contraste com as perspectivas ocidentais do país. As ideias de Xi são analisadas “procurando construir a linha de governança da China a partir dela mesma”.

Para entender o pensamento do líder chinês, “você vai ter aqueles Dez Esclarecimentos [lista ao fim do texto], 14 Perseveranças e 13 Conquistas, aquela coisa toda, mas alguns conceitos são centrais: um deles é a Comunidade de Futuro Compartilhado para a Humanidade”.

Segundo Carvalho, “a base desse conceito é a noção de harmonia, que vem de Lao Tzu, de Shi Bo e da filosofia chinesa e pressupõe diversidade”. Xi usa parábolas desses clássicos, “com passagens como ‘nenhuma música é boa com um único tom’, para pensar o mundo contemporâneo”.

Com isso, propõe “uma globalização à chinesa”. É seu contraponto à “ocidentalização do mundo buscada após o fim da Guerra Fria, aquela uniformização de condutas, valores, culturas”. Como alternativa, defende “um mundo harmônico, ou seja, mais diverso”.

Para o acadêmico brasileiro, um resultado prático foi a Iniciativa Cinturão e Rota, o programa chinês de investimentos pelo mundo. “É toda uma política externa inspirada no conceito de destino comum ou futuro compartilhado para a humanidade.”

Dois livros editados neste ano no Ocidente vão por outro caminho, enfatizando o marxismo de Xi. De acordo com “The Political Thought of Xi Jinping”, de Steve Tsang e Olivia Cheung, mais até do que Marx, importam para o líder chinês “os princípios leninistas de controle e disciplina”.

O título mais significativo saiu no mês passado, “On Xi Jinping”, do embaixador australiano nos EUA, o ex-primeiro-ministro Kevin Rudd -que, como Carvalho, leu os textos no original. Sua conclusão, oposta, é que o “compromisso fundamental” de Xi é com o materialismo dialético, com Marx, não os clássicos chineses.

“A partir de 2017, Xi mudou o centro de gravidade da política econômica para a ‘esquerda marxista’, afirmando a primazia do planejamento estatal sobre as forças de mercado e maior igualdade de renda sobre a desigualdade desenfreada”, escreve Rudd.

Ele representaria um “rompimento esquerdista” com Deng. Sinólogos americanos apontam que o embaixador não quer ver um lado de Xi que está mais para Milton Friedman e Universidade de Chicago do que para Marx. Por exemplo, quando se opõe à “armadilha do assistencialismo, de apoiar pessoas preguiçosas”, como escreveu há três anos.

O cientista político Graham Allison, ao receber Rudd para o lançamento na Universidade Harvard, comentou que não se deve perder de vista o marxismo em Xi, como o livro alerta, mas levantou outro argumento contra sua visão de que o líder chinês se opõe aos EUA.

“A posição oficial da universidade é que não confirmamos nem negamos que havia uma pessoa que, sob pseudônimo, mas que certamente, se você olhar, se assemelha à única filha de Xi Jinping, foi estudante de Harvard e que sua mãe de vez em quando, também sob pseudônimo, veio visitá-la”, contou, rindo.

“O que isso diz sobre um pai, especialmente na cultura chinesa, quando você tem uma princesa e a manda a Harvard para ser educada? Não parece que, se tivesse escolhido alguém como adversário, você mandaria sua filha para lá.”

Os Dez Esclarecimentos, parte central do Pensamento de Xi, resumidos por Evandro Menezes de Carvalho:

– A defesa da liderança centralizada e unificada do Comitê Central do Partido é o princípio político mais elevado

– A modernização ao estilo chinês e o grande rejuvenescimento da nação são as tarefas principais do partido visando construir um país socialista moderno, próspero, democrático, civilizado, harmonioso e bonito até meados do século 21

– A contradição da sociedade nesta nova era é aquela decorrente do desenvolvimento desequilibrado, devendo-se buscar promover a prosperidade comum e a democracia popular de processo integral

– O plano estratégico é a reforma abrangente e a governança do país de acordo com a lei

– O objetivo dessa reforma abrangente é melhorar a capacidade de governança

– O objetivo da governança baseada na lei é construir um sistema jurídico socialista com características chinesas e um país socialista sob o Estado de Direito Implementar um novo conceito de desenvolvimento de alta qualidade em que o ciclo doméstico é o esteio, e o mercado desempenha um papel decisivo na atribuição de recursos

– Transformar o Exército Popular de Libertação em um Exército de classe mundial

– Promover um novo tipo de relações internacionais e a construção de uma comunidade com um futuro compartilhado para a humanidade

– Promover a construção política, ideológica, organizacional e disciplinar do partido para liderar a grande revolução social com uma grande autorrevolução

NELSON DE SÁ / Folhapress

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