SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “A segunda nakba está ocorrendo diante dos nossos olhos, desta vez transmitida ao vivo, com cenas compartilhadas nas redes sociais”, escreveu o analista político Jehad Abusalim no X, ex-Twitter.
Diante da guerra entre Israel e Hamas, palestinos como Abusalim trazem para seus discursos uma comparação histórica com o êxodo massivo de palestinos no fim da década de 1940, apelidado de “nakba” -palavra em árabe para “catástrofe” ou “desastre”.
A referência se deve ao fato de o atual conflito no Oriente Médio mais uma vez produzir um deslocamento forçado de palestinos, desta vez em Gaza, faixa de terra adjacente a Israel, densamente povoada com 2 milhões de pessoas e controlada pela facção terrorista Hamas.
Consequência direta da diáspora no século passado, há hoje cerca de 5,9 milhões de palestinos considerados refugiados -pessoas que perderam seu lugar de residência e seus descendentes, de acordo com o critério da ONU. A enorme maioria está em nações do Oriente Médio.
No Brasil, segundo o banco de dados DataMigra, ligado ao Ministério da Justiça e da Segurança Pública, 222 palestinos solicitaram refúgio em sete anos, de 2016 a 2022.
O QUE FOI A NAKBA?
O deslocamento de cerca de 700 mil árabes da área outrora conhecida como Palestina no fim da segunda metade da década de 1940 é conhecido como “nakba”. A data é lembrada todos os anos em 15 de maio, um dia após a data em que se celebra a independência de Israel.
O calendário está relacionado aos fatores que levaram ao êxodo árabe. A área então conhecida como Palestina pertenceu, até a Primeira Guerra Mundial, ao Império Otomano. Com sua desintegração e a consequente partilha territorial, ficou nas mãos do Reino Unido.
Até que em 1948, após uma série de tratativas, os britânicos deixaram o controle da região, acordando que ali, em uma porção do território, seria fundado o estado de Israel, morada para a população judaica. Israel proclama sua independência em 14 de maio daquele ano.
Mas logo uma guerra bate à porta. A primeira guerra árabe-israelense, entre 1948 e 1949, opôs países árabes da vizinhança e Israel por uma disputa territorial que teve como uma de suas consequências principais o massivo êxodo forçado dos palestinos que antes viviam ali.
ONDE ESTÃO ESSES REFUGIADOS E EM QUAIS CONDIÇÕES HOJE?
A maior parte dos deslocados está em países da vizinhança, para onde muitos foram a pé no passado. A maior cifra está na Jordânia (2 milhões). Em seguida, estão em Gaza (1,7 milhão), Cisjordânia (871 mil), Líbano (489 mil) e Síria (438 mil).
Muitos deles estão nos chamados campos de refugiados, locais que contam com a ajuda da UNRWA, espécie de agência independente da ONU -pois depende de financiamento externo- que atua ali desde 1949. Há, no total, 58 campos. A maior parte deles está na Cisjordânia.
Em Gaza, o principal ponto do conflito da atual guerra Israel-Hamas, estão oito campos de refugiados. Ao menos dois deles, os de Al-Shati e de Jabalia, já foram alvos de ataques aéreos que partem de território israelense na primeira semana do conflito.
COMO ESSA QUESTÃO É LIDA POR PALESTINOS E POR ISRAELENSES?
Como quase todos os assuntos relacionados ao conflito prolongado entre palestinos e israelenses, também a nakba segue em disputa.
Do lado palestino, há o esforço para manter sua memória viva -a Autoridade Nacional Palestina, que, hoje comandada pelo Fatah, é responsável pela Cisjordânia, chegou a emitir um decreto no último mês de maio para criminalizar a negação da nakba.
Mahmoud Abbas, chefe da autoridade e do partido, emitiu a decisão definindo a nakba como “um crime contra a humanidade” perpetrado por “gangues sionistas”. São dois anos de prisão aos condenados por esse delito.
Do lado de Tel Aviv, há uma parcela de negacionismo, em especial entre setores mais radicais à direita que dizem que a nakba não ocorreu. O premiê Binyamin Netanyahu, figura que por mais tempo ocupou esse posto em Israel entre idas e vindas, já se colocou contra o emprego da expressão, que alega que espalha uma propaganda contra Israel.
Ainda que eventos históricos com proporções muito diferentes, o termo nakba ressona para os palestinos de maneira semelhante à maneira como a palavra hebraica “shoah”, usada para descrever o Holocausto nazista, entre israelenses e judeus.
Há um ano, quando o instituto alemão Goethe, um braço cultural de Berlim no exterior, organizou em Israel o debate “Compreendendo a dor dos outros, um painel de discussão sobre o Holocausto e a nakba”, a resposta foi imediata. A chancelaria em Tel Aviv disse que o ato foi uma “desvalorização do Holocausto” e uma “tentativa manipuladora de criar uma ligação cujo único objetivo é difamar Israel”.
MAYARA PAIXÃO / Folhapress