O que o Brasil pode aprender com ascensão de mulheres na política no México

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Liderado por Claudia Sheinbaum, que toma posse nesta terça-feira (1), o México está na vanguarda regional quando o assunto é igualdade de gênero na política e pode servir de exemplo para o Brasil, avaliam especialistas.

Segundo dados do Banco Mundial, o Brasil é o terceiro pior país das Américas nesse aspecto, tomando como base a porcentagem de mulheres nos parlamentos nacionais.

Depois de uma ampla emenda constitucional aprovada em 2014, o México incorporou décadas de lutas por maior participação feminina na política. Em 1997, 17% da Câmara de Deputados mexicana e 13% do Senado eram formados por mulheres. Em 2024, a representação feminina nas duas casas subiu para 50%. No mesmo período, a representação feminina na Câmara brasileira passou de 5% para 18% e no Senado, de 5% para 12%.

Para Tauá Pires, diretora do Instituto Alziras, referência em estudos sobre participação feminina na política, o que possibilitou os avanços na política mexicana foram reformas contínuas, pressão da sociedade e uma justiça eleitoral rigorosa.

“O México adotou a cota feminina depois da maioria dos países, mas conseguiu cuidar de coisas de que a gente tem dificuldade, como candidaturas laranja e sanções contra os partidos envolvidos”, diz.

Cotas

No país, os deputados são escolhidos de duas formas: 300 são eleitos pelo voto nos distritos eleitorais e 200 a partir de listas montadas pelos partidos.

Em 2014, uma série de emendas à Constituição modificou o sistema eleitoral.

As listas passaram a ser formuladas com o mesmo número de homens e mulheres alternados. No Senado, as chapas seguem a mesma fórmula. Isso significa que sempre ao menos metade dos eleitos serão mulheres.

O Brasil, por sua vez, tem reserva de candidaturas, não de cargos eleitos. Segundo a legislação eleitoral, os partidos ou federações devem apresentar no mínimo 30% e no máximo 70% de postulantes de cada gênero.

Além disso, os partidos devem gastar ao menos 30% dos fundos de campanhas com candidatas mulheres. E o pleito de 2024 será o primeiro em que os votos em candidatos negros e mulheres contarão em dobro para fins de distribuição do fundo eleitoral e do tempo de TV.

Apesar disso, desde 2000, 3.557 das 5.568 cidades brasileiras não elegeram nenhuma mulher ao cargo de prefeita. Em 24 municípios não foram eleitas nem prefeitas, nem vereadoras. Em cidades com mais de 100 mil habitantes, 71% não elegeu prefeitas no período.

A situação é menos pior nos estados do Norte e Nordeste, em que 47% das cidades já tiveram mulheres comandando o executivo municipal. No Sul, o índice é de apenas 25%. Mossoró, no Rio Grande do Norte, por exemplo, já elegeu prefeitas por cinco vezes desde 2000.

Hoje, no Congresso, tramitam duas propostas de reserva de vagas para mulheres, a PEC (proposta de emenda à Constituição) 134/2015, que estabelece reserva progressiva em três ciclos eleitorais até atingir 16% das cadeiras do legislativo, e o PL (projeto de lei) 763/2021, que destina um terço das vagas na Câmara, nos legislativos estaduais e municipais e no Senado para candidaturas femininas.

A senadora Zenaide Maia (PSD-RN) foi a relatora do texto do PL, que agora aguarda ser pautado na Comissão de Direitos Humanos do Senado. “É preciso dar o passo de levar à votação a partir da garantia negociada de aprovação, para que a proposta não seja rejeitada e para evitarmos retrocessos”, diz.

FISCALIZAÇÃO

Em 2009, oito mulheres eleitas para o Congresso mexicano renunciaram aos mandatos sem oferecer justificativa. Em seus lugares, assumiram suplentes homens. O episódio ficou conhecido como “escândalo das Juanitas” e colocou pressão sobre o tribunal eleitoral do país. Hoje, a Corte impõe sanções mais duras aos partidos, como a cassação de mandatos e rejeição de listas de candidaturas que desrespeitem as cotas femininas.

No Brasil, por sua vez, tornaram-se recorrentes candidaturas laranja, em que mulheres são formalmente incluídas na cota de gênero para cumprir a reserva de vaga, mas sem campanha efetiva.

A juíza Maria Cláudia Bedotti, do TRE (Tribunal Regional Eleitoral) de São Paulo, diz que a corte está mais rígida na aplicação da lei contra a prática.

Ela cita a edição da súmula 73 pelo TSE, que define critérios para identificar fraudes nas cotas, como ausência de votos ou de atuação de campanha.

O documento determina punições que incluem desde a cassação dos candidatos envolvidos até a anulação dos votos do partido condenado.

Por outro lado, a Câmara aprovou a PEC da Anistia, que retira a punição a partidos que não cumpriram as cotas raciais e de gênero e diminui o piso de recursos de campanha para esses grupos a 20%.

Segundo Bedotti, a corte eleitoral também será rigorosa na aplicação da lei que criminaliza a violência política de gênero, que terá sua estreia em eleições municipais neste ano. O conceito pode ser definido como qualquer ação com finalidade de restringir os direitos políticos da mulher.

PARIDADE ESTENDIDA

A busca por igualdade no México não se limitou ao Legislativo. Em 2019, a Suprema Corte do país decidiu que a paridade de gênero deveria valer para os três Poderes, nos três níveis de governo (federal, estadual e municipal), além de órgãos autônomos, como o Banco Central. Em 2021, o Congresso confirmou as alterações na lei.

Porém, mesmo com o aumento do escopo da emenda, a paridade não chegou a todas as esferas do governo. Após as eleições deste ano, 12 dos 31 estados mexicanos terão governadoras, o que representa cerca de 38%. A Cidade do México, que tem status de entidade autônoma, também elegeu uma mulher como chefe de governo.

Segundo o INE (Instituto Nacional Eleitoral), em 2024, 29% dos cargos análogos ao de prefeito eram ocupados por mulheres no México.

No Brasil, 12% dos municípios têm prefeitas e apenas dois estados têm governadoras, o que representa 7% do total.

BRUNO XAVIER / Folhapress

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