SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pablo Marçal (PRTB) postou nesta segunda-feira (30) uma foto com a família. Hora do rango. “Comendo o franguinho caipira que a minha sogra preparou”, disse após explicar que estava “entregando o jejum ao Senhor, depois de sete dias e sete noites só na água”.
Na segunda passada, em encontro virtual com pastores, o candidato a prefeito de São Paulo anunciou que começaria sete dias de jejum, “e aí você vai ver quem que vai cair por terra nesta semana”. Diz que não comeu nada nesse período.
O autodenominado ex-coach relembrou o compromisso durante o debate de sábado (28) na Record, TV do bispo Edir Macedo. Antes do confronto, disse que via a prática como uma oferta ao povo, para que este “tenha discernimento” enquanto uma “batalha espiritual” está sendo travada na cidade.
Aqui vale a teologia da batalha espiritual. Ela pressupõe uma guerra em curso entre forças do bem e do mal, uma disputa que pode transbordar do plano espiritual para realidades bem terrenas. Como, digamos, uma eleição.
Privar-se de comida é uma das várias formas de jejuar que cristãos adotam para “buscar uma conexão mais profunda com Deus e alinhar-se à Sua vontade”, explica o teólogo Ranieri Costa.
A abstinência, como lembra a economista e colunista da Folha de S.Paulo Deborah Bizarria, vai além de “simplesmente não comer ou beber por um tempo”.
“É um ato de renúncia que pode incluir outras abstinências, como relações sexuais [1 Coríntios 7:5]”, afirma Bizarria, fiel da presbiteriana Comunidade da Vila que não promove o jejum. “Seguindo esse princípio, muitas igrejas promovem campanhas em que os membros abrem mão de televisão, redes sociais e outras atividades por um período determinado, sejam dias ou semanas. Isso permite que dediquem mais tempo à oração e à leitura da Bíblia, fortalecendo seu relacionamento com Deus.”
O jejum tem lastro bíblico. O Evangelho de Mateus, por exemplo, diz: “Quando jejuarem, não façam como os hipócritas, que se esforçam para parecer tristes e desarrumados a fim de que as pessoas percebam que estão jejuando. Eu lhes digo a verdade: eles não receberão outra recompensa além dessa”.
O melhor a fazer, então, é pentear o cabelo e lavar o rosto, de modo que “ninguém notará que estão jejuando, exceto seu Pai”, que o recompensará.
Menções à prática também aparecem nos livros de Coríntios, Ester e Zacarias. Um personagem do Velho Testamento, Daniel, diz que por três semanas não comeu nada saboroso, “nem carne e vinho provei”. Uma privação parcial de alimentos, no caso.
O jejum virou arma política. Pastores aliados a Jair Bolsonaro (PL), em mais de uma ocasião, sugeriram que fiéis jejuassem em prol da nação. Foi o que Silas Malafaia propôs antes de um ato em desagravo ao ex-presidente na avenida Paulista, em fevereiro.
Em julho, o deputado Nikolas Ferreira (PL-MG) aderiu a “21 dias de jejum e oração pelo Brasil”. Disse que o faria porque “o Brasil parece não ter solução”, e haveria “problemas que só se resolvem com os joelhos dobrados”.
Seis anos antes, Cabo Daciolo, então presidenciável do Patriota, prometeu o mesmo. “Creio com toda a segurança que nossa batalha se trava no mundo espiritual e exige de nós postura aguerrida contra todos os dardos inflamados do inimigo”, declarou à época.
Para Ranieri Costa, que é batista, a promoção do jejum à arena política tem uma lógica discursiva clara: insinuar que o adversário “está a serviço de um demônio forte e perigoso”, e só jejuando para derrotar as forças das trevas. Esses demônios são equiparados à esquerda.
Quando Marçal fala sobre um “consórcio comunista” que precisa combater, embute junto um pano de fundo religioso, como se os oponentes fossem o mal em pessoa.
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress