O que um editor que virou ministro da Cultura tem a ensinar na Bienal do Livro

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Os editores têm que ser gestores culturais. Não podem ser pessoas sentadas numa mesa esperando chegar o próximo melhor livro do mundo. Assim não vão conseguir nada.”

Quem diz isso é o colombiano Juan David Correa, que tem credenciais raras para bancar essa afirmação: saiu da diretoria de uma das duas grandes editoras de seu país, a Planeta, para a chefia do Ministério da Cultura em agosto de 2023.

Foi uma transição barulhenta. Ele saiu da editora acusando censura, após a decisão do andar de cima de voltar atrás na publicação de um livro já pronto da jornalista investigativa Laura Ardila sobre um clã poderoso da Colômbia.

“Eticamente, eu não podia ficar num lugar assim”, diz o colombiano de 48 anos, que já havia dirigido a Biblioteca Nacional e a Feira do Livro de Bogotá e foi convidado pelo presidente Gustavo Petro a assumir a pasta menos de um mês depois do episódio. Apesar de ter editado a biografia do líder de esquerda, Correa diz que não eram amigos.

O ministro conversa com a reportagem em São Paulo, já que a Colômbia é a convidada de honra da Bienal do Livro que começa nesta sexta e fica aberta ao público até o próximo domingo (15).

Antes, nesta quinta, ele participa de um seminário para trocar experiência com seus pares —tanto aqueles que editam livros quanto os dedicados às políticas públicas.

São profissionais que se cruzam menos do que deveriam, e Correa é um defensor ferrenho de que o trabalho de divulgação de livros requer um empenho artesanal e paciente que envolve sair conversando com gente de toda a cadeia editorial.

“Amo a literatura do Brasil e me empenhei para publicar autores daí. Mas é preciso saber que um só autor não vai fazer nada nunca. Gabriel García Márquez, Jorge Amado são acidentes de cada país. Você tem que fazer um catálogo de autores para gerar interesse, e isso requer muito tempo e esforço.”

Nada cria interesse como a persistência, diz o fã de Rubem Fonseca e Dalton Trevisan, reconhecendo que por muito tempo a literatura de seu país ficou isolada devido à pouca convicção em divulgar aquilo que amadurecia dentro de suas fronteiras.

O cardápio de dezenas de autores e músicos que a Colômbia apresenta na Bienal são um exemplo dessa mudança de mentalidade —são artistas sobretudo jovens que se tornaram conhecidos em língua espanhola, mas permanecem anônimos no Brasil.

Um conselho para quem procura melhorar sua atuação como editor está na ponta da língua de Correa.

“Precisam desaprender o que ensinaram a eles os grandes grupos —que estão ali para dizer não. Um editor precisa ser alguém curioso e amável. Criar um catálogo é como semear um campo. Tem plantas que não crescerão e outras que serão enormes.”

A tarefa de quem publica livros é criar um ecossistema propício ao florescimento de autores, não descobrir uma galinha dos ovos de ouro. O trabalho como ministro, acrescenta ele, não é tão diferente assim.

Tocar os planos de metas do ministério —descentralizar o mercado de livros para as regiões pobres, fomentar a economia das culturas populares, promover formações artísticas, defender uma cultura de paz em um território deflagrado— é parecido com cuidar de linhas editoriais distintas de uma empresa de amplo catálogo.

A missão de divulgar a cultura colombiana foi bem recebida pela Câmara Brasileira do Livro, que convidou o país para ter espaço na Bienal e negociou a homenagem ao Brasil na Feira do Livro de Bogotá que aconteceu entre abril e maio.

A presidente da entidade, Sevani Matos, ressalta essa aproximação como fundamental, já que são “culturas se interligam em aspectos históricos e ambientais”, afinal a amazônia também ocupa terras da Colômbia.

Ainda que o primeiro propósito da Bienal seja destacar editoras e autores brasileiros —serão 683 escritores nacionais ao longo dos dez dias de evento, enumera ela com rigor—, também é uma oportunidade ímpar de conhecer quem desponta na nação vizinha.

“Além de aproximar os dois governos”, diz ela, lembrando que o presidente Lula estará na abertura do evento, “cria potenciais projetos de troca entre os países”. “Muitos editores colombianos estão no Brasil, podendo comprar e vender direitos de seus livros.”

Dá até para encontrar na Bienal o livro que a Planeta se recusou a publicar, provocando a saída de Correa. “La Costa Nostra” acabou saindo por uma editora independente, ainda sem tradução em português. Editores mais atentos podem ficar de olhos abertos.

BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DE SÃO PAULO

– Quando De 6 a 15/9

– Onde Distrito Anhembi

– Preço R$ 30

WALTER PORTO / Folhapress

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