RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Amir Haddad completa 87 anos nesta terça-feira (2) sem a menor preocupação com aposentadoria. “Você já pensou que loucura se cada um de nós, seres humanos, formos pensar na nossa finitude? Para mim é a eternidade, sempre. Com uma abertura total para as coisas que virão”, diz o diretor.
Tendo essa determinação como guia, ele realiza, entre quarta (3) e segunda (8), no Rio de Janeiro, o segundo festival de teatro que leva seu nome.
Entre as atrações da programação, dividida entre o Centro Cultural Casa do Tá na Rua e o anfiteatro da Praça dos Arcos da Lapa, estão espetáculos como “O Recém-Nascido”, com Pedro Cardoso, e “Virginia”, com Claudia Abreu. Além disso, o ensaio aberto de uma leitura dramatizada de cenas de Shakespeare, com as atrizes Betty Gofman e Julia Lemmertz, com direção de Haddad; e a exibição do filme “Antígona 442 a.C”, sobre a montagem da peça estrelada por Andréa Beltrão.
É também da perspectiva da eternidade que o diretor pensa o teatro. Em sua visão, aspectos determinantes da experiência humana contemporânea como a mediação das relações por meio digitais, tais quais as redes sociais ou que anunciam dilemas para o futuro, como a inteligência artificial, não afetam o que se dá no palco. “O teatro não se preocupa muito com isso, não”, afirma Haddad.
“Antes de qualquer coisa que esteja acontecendo agora, o teatro já existia. Então, não é uma contingência do momento que vai interferir na sua maneira de expressar. Quando estou na praça, fazendo teatro, me comunicando com as pessoas ao meu redor, eu sinto que estou fazendo isso há milênios. E que aquele cidadão sem dente que está me olhando, pobre, mal vestido, ele está ali desde sempre, no século 12, no século 17, no século 18. Estou eternamente novo e eternamente velho naquele lugar.”
Fundador do grupo Tá na Rua em 1980, Haddad desenvolveu ao longo de sua trajetória uma investigação sobre o teatro no espaço público, ao lado de projetos premiados em palcos tradicionais. Com parte da programação realizada numa praça no coração da Lapa, o festival é uma reafirmação de sua crença na rua como o sentido maior do teatro. “Nunca foi ponto pacífico para mim que o local do espetáculo é o teatro. Na verdade, às vezes ele é o local mais incômodo para o espetáculo”, diz.
“Numa sala, você está falando com uma plateia com características ideológicas muito fortes e com uma arquitetura que determina demais a sua linguagem e sua forma de relação com a plateia”, afirma. “E isso é muito insatisfatório, muito violentador da sua possibilidade de expressão. Então, quando você parte para um espaço aberto, você está em total liberdade.”
Haddad argumenta que na rua a plateia também carrega outra ordem de representatividade. “Você está lidando com a cidade, com a pólis, dentro dela, nas suas veias, nas suas artérias. Mesmo que tenha dez pessoas em volta de você, a cidade inteira está ali. Se você faz teatro num espaço fechado tradicional, você pode ter 500 pessoas, mas essas 500 pessoas são exatamente a mesma pessoa.”
Com uma programação que inclui peças, filmes, conversas, leituras, cortejos e oficinas, o 2º Festival de Teatro Amir Haddad, com curadoria e idealização de Máximo Cutrim, encarna essa variedade. “São todas coisas intensas, vivas e atuantes”, afirma o diretor, chamando a atenção para o desejo de comunicação que atravessa todos os espetáculos. Um desejo de comunicação que moveu sua pesquisa ao longo das últimas décadas.
“Quando eu cheguei na rua, eu percebi que eu usava uma linguagem que era absolutamente inadequada”, lembra Haddad. “Então, foi uma longa viagem de mim até mim mesmo, até eu estar inteiro em cena, dialogando com as pessoas à minha volta. Isso foi um prazer muito grande, uma descoberta essencial.”
Nesta edição, o festival premiará dois projetos sociais que trabalham o teatro voltado para crianças e adolescentes Haddad é o padrinho de ambos. Um deles é o Entre o Céu e a Favela, do Morro da Providência, dirigido por Cíntia Santana, atriz e ex-integrante do Tá Na Rua. O outro é a Escola Fábrica dos Atores, de Nova Iguaçu, sob direção de Alexandre Gomes.
“O que trabalhos como esses podem gerar é sempre riquíssimo e surpreendente”, diz Haddad. “Você não tem a menor ideia do que vai acontecer a partir dali. Mas acontece. E é renovador. É evidente a importância de uma iniciativa que abre para todos os lados quando muitas vezes o teatro se apresenta tão fechado e limitado.”
A Lapa, área onde se realizará o festival, sintetiza a cidade e a ausência de limites que Haddad defende. Espaço de cruzamento de artistas, intelectuais, malandros e diferentes representantes do povo da rua há tempos, o bairro é para o diretor como sua casa.
“Quando saio da casa do Tá na Rua, vou para o Largo da Lapa, voltando para dentro da casa, é como se eu estivesse saindo do meu quarto, indo para o banheiro e voltando para o meu quarto. É um caminho muito comum, muito íntimo, muito familiar.”
LEONARDO LICHOTE / Folhapress