SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pouco importava que, naquela época, início dos anos 1980, a presença da seleção brasileira masculina de vôlei era garantia de ginásio lotado. A maior preocupação, apesar disso, era o público.
Os jogadores entravam em contato com todos familiares, amigos, conhecidos, e pediam: “Por favor, apareçam lá.”
“Se a gente colocasse 15 mil pessoas no Ibirapuera, as arquibancadas ficavam abarrotadas. Mas 15 mil pessoas no Maracanã não eram nada”, explica Renan Dal Zotto, ex-ponta e hoje técnico da equipe.
As perguntas feitas no vestiário eram variações do mesmo tema.
“Quanto tem de público agora?”
Para entrar em quadra, cada um era chamado pelo nome no sistema de alto-falantes e no placar eletrônico. O barulho do anúncio chocou todos os atletas.
“Foi algo incrível”, espanta-se até hoje Marcus Vinícius Freire, que à época era novato da seleção.
Há 40 anos, em 26 de julho de 1983, o Maracanã recebeu pela primeira vez uma partida de vôlei. Foram 95.887 pagantes, então recorde para evento de esportes olímpicos a céu aberto. Superou a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 1964. O Brasil enfrentou a União Soviética, então campeã olímpica e mundial, em uma série de cinco amistosos.
O evento mais importante deveria ser o primeiro da série, naquele que era então conhecido como maior estádio do mundo. Tornou-se um desafio logístico, de persistência, uma luta contra o tempo. O tempo cronológico e o meteorológico.
Uma das imagens mais marcantes da história do esporte brasileiro é de brasileiros e soviéticos, que haviam protagonizado no ano anterior a final do Mundial, de joelhos, a enxugarem a quadra molhada pela chuva.
Adiada por três vezes, ameaçada por Suderj (Superintendência de Desportos do Estado do Rio de Janeiro), CND (Conselho Nacional dos Desportes) e pela chuva, a partida aconteceu na última data disponível. Se fosse inviável naquele 26, seria cancelada.
“O jogo só aconteceu por causa dos soviéticos. Eles foram muito parceiros do evento e tiveram muito boa vontade em fazer com que acontecesse”, relembra José Francisco Coelho Leal, o Quico. Sócio do narrador Luciano do Valle (1947-2014) na realização da partida, ele era o responsável por toda a logística.
Uma delas foi desmontar toda a quadra de 800 metros quadrados colocada no centro do Maracanã, porque haveria rodada do Campeonato Carioca no final de semana seguinte. Assim que o último confronto do futebol foi encerrado, toda a estrutura foi remontada.
Uma das questões que estão no ar até hoje é a respeito de quem foi a ideia daquele amistoso. Em entrevista ao programa Bola da Vez, da ESPN Brasil, em 2013, Luciano afirmou ser o pai da criança. Jogadores que participaram da partida dizem que a iniciativa havia sido do então presidente da CBV (Confederação Brasileira de Vôlei) e futuro mandatário do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Carlos Arthur Nuzman.
Reportagens da época sugerem que a primeira menção à possibilidade de jogar no Maracanã partiu do treinador da União Soviética, o polonês Viacheslav Platonov (1939-2005).
Quem mais acompanhou de perto toda a realização logística do evento afirma não se lembrar.
“Quem me falou sobre fazer o jogo foi realmente o Luciano. Mas a ideia pode ter sido do Nuzman. Ele fez muito para que saísse do papel”, diz Quico.
A data inicial era 19 de julho. Caiu um dilúvio sobre o Rio de Janeiro. O jogo foi adiado para 24 horas mais tarde. A chuva não parou. Os jogadores não puderam fazer um treino de reconhecimento da quadra, coberta por um toldo impermeável. Os organizadores perceberam que seria impossível jogar antes de 23 e 24, quando ocorreria rodada do Campeonato Carioca de futebol. Ficou para 26 de julho.
“É a última chance”, concedeu Nuzman.
Não foi o único problema. A Suderj começou a questionar o prejuízo que a quadra traria ao gramado do Maracanã e pediu uma inspeção. O CND publicou comunicado a reclamar que o amistoso atrapalharia as eliminatórias para o Mundial de Basquete feminino, marcadas para o Maracanãzinho. Nuzman desatou todos esses nós. No final da tarde de 25 de julho, ele assinou novo contrato de aluguel do estádio.
Luciano do Valle e Quico lutavam contra o Grupo Globo, que decidira ignorar na TV, no rádio e no jornal, a realização do jogo, que seria transmitido pela Record.
Na noite de 26 de julho, voltou a chover. O primeiro saque, marcado para às 21 horas, foi adiado por 30 minutos.
“Quando a gente percebeu que começou a chover forte, foi desesperador”, lembra Quico.
“[A chuva] iniciou quando as duas seleções entraram em quadra. Enxugamos, tentamos jogar. Tentamos jogar sem tênis, só de meia. Mas não dava”, afirma Renan Dal Zotto.
O medo de que o público fosse embora foi infundado. Mas precisava haver uma solução para que a quadra não ficasse escorregadia. A ideia salvadora veio dos soviéticos.
“A gente reparou que começaram a carregar carpetes”, diz Marcus Vinicius Freire, que depois seria diretor executivo do COB.
Os visitantes tiveram a ideia de usar tapetes que estavam na passagem do vestiário para o campo e colocá-los na quadra porque absorveriam a água. Era uma solução precária, mas que possibilitou a continuação do jogo.
“A União Soviética tinha o [Aleksandr] Savin, o melhor jogador do mundo. Tinha o [Vyacheslav] Zaytsev… E todo o mundo ali, carregando carpete. Demorou muito tempo, e ninguém do público foi embora. O jogo prosseguiu, e o carpete levantava quando a gente pulava. Por isso eu tenho muita admiração pela seleção da União Soviética. Ali pouco importava quem ganharia. Todos queriam entregar um espetáculo para o público”, diz Renan.
Ele afirma que ainda hoje desconhecidos conversam com ele e relembram a partida do Maracanã, sem sequer se lembrar do resultado.
“Ganhamos por 3 a 2, não foi?”, fica indeciso Quico, quando questionado.
A seleção brasileira venceu por 3 sets a 1 (14/16, 16/14, 15/7 e 15/10).
ALEX SABINO / Folhapress