SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Material utilizado no teto de casas, muito comum em moradias populares, o zinco é o ponto de partida para as obras de Carolina Cordeiro. Trabalhando com o metal há alguns anos, a artista já fez com ele castelos de cartas equilibrados delicadamente e simulou um céu de estrelas, ao cobrir a claraboia da biblioteca de um espaço expositivo com grandes placas de zinco perfuradas.
A obra de 2019, mostrada no Auroras, em São Paulo, também pode ser compreendida como uma referência à precariedade, na medida em que os furos nas placas deixavam a luz do sol passar e adentrar o espaço expositivo.
O desgaste natural do zinco exposto às intempéries interessa à artista, que agora reutiliza as chapas daquele trabalho numa nova obra de sua mostra individual, “O Tempo É”, em cartaz até meados de outubro na galeria Galatea, na capital paulista.
Nesta instalação, que leva o nome da mostra, Cordeiro junta as chapas de zinco desgastadas a espelhos oxidados de mesmo tamanho, num conjunto de diversas peças penduradas a partir do teto. Nelas incide uma luz que, assim como os raios de sol na versão de 2019 da obra, atravessa o metal. Qualquer comparação com casas de construção precária não é mera coincidência.
“Por que um material que foi tão parte do universo construtivo brasileiro não entra na história como um material importante para se pensar a arquitetura do Brasil?”, diz Cordeiro, fazendo uma comparação entre as construções com zinco e os prédios modernistas, que têm presença marcante nos livros de arquitetura e no imaginário nacional.
Na outra sala da galeria, vemos no chão um rodapé de parede a parede repleto de confetes de zinco, uma coisa entre o carnavalesco e o bruto, e também uma série de trabalhos sobre papel. Nestes, a artista riscou as folhas com pregos, de modo a criar cicatrizes, e colocou na extremidade de cada risco pequenos discos de zinco, como se eles tivessem rasgado o papel.
O título desta obra, “Sinais Iniciais”, veio de um verso de “Retiros Espirituais”, de Gilberto Gil, música que também empresta de sua letra o nome do trabalho dos confetes, “Retirar Tudo o que Disse”. A artista cita ainda, como inspiração para a exposição, outras faixas do cancioneiro nacional em que o zinco aparece na letra ”Barracão de Zinco” e “Telhado de Zinco”.
A MPB foi importante na formação da artista mineira de 40 anos, acostumada a frequentar as turmas da música e da poesia nos anos de sua adolescência em Belo Horizonte, cidade onde se formou em desenho na Universidade Federal de Minas Gerais.
Já o nome da exposição, “O Tempo É”, veio de um poema de Carlos Drummond de Andrade, outra referência marcante na poética da artista, dado que ela já fez um trabalho com o livro no qual a poesia que contém este verso foi publicada.
Como Cordeiro usa pouquíssimos elementos em suas obras, a escolha de cada um é deliberada e permite muitas associações possíveis para quem vê. Trata-se de uma opção dela, claro, mas também de uma medida desenvolvida a partir da contenção.
“A condição precária em termos de recursos nos faz, dentro da nossa formação [como artistas], perceber uma série de materiais que já estão no mundo e que são riquíssimos e podem ser usados em nossos trabalhos. Eles são cheios de significados.”
CAROLINA CORDEIRO – O TEMPO É
Quando Até 14 de outubro; seg. à sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 15
Onde Galatea – r. Oscar Freire, 379, loja 1, São Paulo
Preço Grátis
JOÃO PERASSOLO / Folhapress