Quase metade da lista de 12,5 mil obras divulgada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no lançamento do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) é composta por promessas ressuscitadas das versões anteriores do plano.
Dados da Casa Civil mostram que ao menos 5.319 ações (43%) correspondem à retomada de empreendimentos formalmente paralisados ou finalização de projetos inacabados dos pacotes promovidos em 2007 e 2011, durante gestões do PT.
Lula e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, enfatizaram que a prioridade seria concluir obras inacabadas, atribuindo os atrasos ao teto de gastos instituído por Michel Temer (MDB) em dezembro de 2016 e ao governo Jair Bolsonaro (PL). Vários empreendimentos tiveram baixa execução antes desses períodos.
A repescagem é maior no Norte e Nordeste. O número de obras relançadas supera o de inéditas em 11 estados dessas regiões, com proporções que vão de 50,4% em Alagoas a 72% no Tocantins.
A versão repaginada do programa inclui, por exemplo, a contenção de encostas em áreas de alto risco em seis municípios da região metropolitana do Recife, onde 133 pessoas morreram em decorrência de chuvas acima da média em maio do ano passado.
Essas intervenções já tinham sido contempladas no PAC 2 e foram iniciadas entre 2013 e 2015. Segundo a Caixa, responsável pelos repasses, as obras estão suspensas em três das cidades (Cabo de Santo Agostinho, Olinda e Paulista) e atrasadas nas demais (Abreu e Lima, Jaboatão dos Guararapes e Recife).
Na região metropolitana de Salvador, obras estão há mais de uma década paralisadas ou caminhando em ritmo lento, caso da requalificação de ruas e construção de casas populares no bairro Buri Satuba, em Camaçari.
O projeto foi iniciado em 2009 e chegou a 78% de execução após repasses de R$ 9,7 milhões, mas a torneira dos recursos federais foi fechada e a obra permaneceu inacabada, sendo alvo de invasões e saques.
Com recursos próprios, a prefeitura finalizou edificações em junho deste ano e entregou 183 casas. Moradores, porém, apontam pendências como tubulações defeituosas, sistema elétrico de baixa qualidade, piso em cimento e portas sem trinco ou fechadura.
Outras 50 unidades estão praticamente concluídas, mas seguem fechadas. Na área externa, vacas pastam no gramado em frente e ruas de barro continuam sem pavimentação.
À noite, o bairro fica às escuras. “Todo mundo vai para dentro de casa e ninguém sai mais. Isso aqui vira um deserto”, diz Andreza Brito dos Santos, 28, que mora no local com três de seus quatro filhos.
Outro morador do conjunto, o ajudante de construção Adailton Jesus de Souza, 44, critica as idas e vindas na construção. “Volta e meia aparecem políticos dizendo que vão fazer e acontecer, mas teve gente que morreu e não viu a casa pronta.”
Em nota, a prefeitura afirmou que precisou renegociar o contrato para não perder recursos já alocados e que, por causa da inflação, teve de investir em verbas próprias quase três vezes mais que os repasses recebidos da União.
No bairro Jardim Eldorado, máquinas voltaram a trabalhar nas margens do rio Camaçari, curso d’água que corta a zona urbana da cidade, para retomar uma obra de saneamento iniciada em 2013.
“Nunca vi um negócio demorado desses. Deus ajude que agora saia”, diz o aposentado Domilson dos Santos, 84, um dos vizinhos que teve a casa parcialmente derrubada para as obras e ainda não foi indenizado.
A prefeitura diz que problemas relacionados a gestões anteriores e à pandemia da Covid-19 levaram a paralisações e mudanças no contrato, além de redução do escopo da obra e necessidade de nova licitação.
Monitoramento do TCU (Tribunal de Contas da União) atualizado pela última vez em abril identificou 5.344 obras incompletas remanescentes dos PACs 1 e 2. O número é bem próximo ao das retomadas previstas agora pela Casa Civil.
Destas, 2.688 (metade) estavam formalmente paralisadas por motivos como rescisão contratual, abandono da empresa encarregada, dificuldade técnica do gestor público, irregularidade na gestão, falta de pagamento, falha na execução e até questões climáticas, entre vários outros.
Os empreendimentos suspensos ou atrasados foram orçados ao todo em R$ 57,4 bilhões e tinham consumido R$ 13,5 bilhões em repasses federais (valores nominais, não ajustados pela inflação). O governo ainda não detalhou o gasto previsto para cada iniciativa sob o Novo PAC.
A educação básica lidera o ranking de obras paradas: 2.171 construções, reformas ou melhorias em escolas e creches ficaram pelo caminho, segundo o órgão de controle.
O represamento se confirma no Novo PAC, com 2.661 empreendimentos retomados e apenas 54 inéditos no eixo estratégico de educação, ciência e tecnologia.
Em termos financeiros, o setor de transporte e mobilidade urbana é o que concentra as obras mais caras na lista de atrasos do TCU (metade do orçamento total).
Entre as antigas promessas a serem resgatadas estão as ferrovias Transnordestina e Oeste-Leste e a duplicação de trechos em grandes rodovias como BR-101, BR-116 e BR-381.
O PAC foi criado em 2007 e virou uma bandeira do segundo mandato de Lula. O programa instituiu um novo modelo baseado no gasto público como motor do crescimento econômico, por meio do investimento em grandes obras.
O plano ajudou a então ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), a ser eleita como sucessora de Lula, em 2010, depois de ter sido apresentada como mãe do pacote. No ano seguinte, o PAC foi relançado em sua segunda versão.
O programa recebeu críticas pelos atrasos, abandonos e encarecimentos de obras, e por efeitos como desequilíbrio fiscal e aceleração da inflação. Levantamento feito em 2016 pela consultoria Inter.B indicou que só 17% das 29 mil obras anunciadas tinham sido concluídas no prazo.
Auditoria do TCU em 2018 sobre os empreendimentos financiados com recursos federais (incluindo o PAC) apontou o mau planejamento como maior causa de atrasos e suspensões.
Projeto deficiente, falta de capacidade técnica para gerir os recursos ou executar a obra e insuficiência de contrapartidas do ente recebedor (governos estaduais, prefeituras e outros órgãos da administração pública direta e indireta) foram listados como principais fatores.
Em nota, a Casa Civil diz que concluir empreendimentos estruturais é uma prioridade da atual gestão com o Novo PAC.
“O governo considera que qualquer levantamento sobre execução de obras dos PAC 1 e 2 deve levar em conta o investimento financeiro de cada empreendimento, não somente a relação entre a quantidade de obras previstas e as obras finalizadas.”
Sobre o relatório da Inter.B, a nota destaca que, “no caso de obras de energia, em sua maioria empreendimentos de valor elevado, o mesmo estudo diz que, de 247 obras previstas, 223 foram finalizadas (90,3%)”.
Já no caso das obras de saneamento –1.225 finalizadas (8%) em 15.312 programadas no PAC 1, segundo a consultoria–, a Casa Civil pondera que “a maioria é de pequeno porte e valor”, como a realização de melhorias sanitárias domiciliares (banheiros).
“A quantidade de pequenas obras não concluídas, a exemplo das de saneamento, portanto, impactam indevidamente a execução total no relatório citado, por misturar pequenas e grandes obras”, afirma a nota.
O governo diz que seus relatórios publicados à época dos PAC 1 e 2 mostram execução de 82% do que foi previsto para ser executado até dezembro de 2010 e de 99,7% do que foi programado até dezembro de 2014.
CRISTIANO MARTINS, JOÃO PEDRO PITOMBO E AUGUSTO CONCONI