Obras retratam sexo, gozo, suor e lutas íntimas e políticas em exposição

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Avançando o piso térreo do Edifício Louvre, no centro de São Paulo, o visitante desatento pode achar que trombou com um sex shop, surpreendido pelas luzes neon vermelhas. Se parar para olhar com mais atenção, começará a discernir, no que descobrirá ser a vitrine da galeria Verve, objetos dos mais variados.

Na “Dark Room” que Randolpho Lamounier fez para ocupar o chamariz da galeria durante a mostra Cuir Sou, armada até agosto, telas exibem combates em ringues reais e em jogos como “Street Fighter”. Uma sequência de fotos feitas pelo artista em Belo Horizonte retrata homens de torso nu que se colidem em mosh pits, rituais de agressão praticados pelo público de shows de punk.

Potes de popper, droga utiliza para o relaxamento anal no sexo gay, e salgadinhos Cheetos se misturam pelo chão da vitrine. Outros itens aludem a energéticos, carros, foguetes, filmes de terror. Uma mão de neon verde se chacoalha, difícil saber se num soco ou num gesto de masturbação.

O nome do trabalho faz referência às salas escuras oferecidas em algumas baladas para que as pessoas possam se encontrar e transar com certa discrição, muitas vezes com outras que elas mal conseguem ou nem conseguem ver. Ao evocar o espaço libidinoso, no entanto, Lamonier quer falar de mais do que sexo.

“O meu interesse era tomar o espaço da dark room para falar de como a masculinidade e o desejo são ensinados através da cultura”, afirma o artista. “Eu queria ir além do encontro sexual e chegar num ponto mais profundo, do que está por trás da nossa construção de identidade e de simbologias de desejo, tesão, fetiche”.

A obra do artista, que está com a galeria desde março, é exposta no andar térreo do Louvre como um convite para que o público suba um andar e conheça o resto da “Cuir Sou”. São expostos 41 trabalhos de 33 artistas, entre nomes representados pela galeria, como Lamonier e Francisco Hurtz, emprestados de galerias parceiras ou sem nenhuma representação, alguns dos quais estão expondo pela primeira vez na mostra.

É o caso, por exemplo, de Mayara Ferrão, que usa inteligência artificial para retratar um passado que nunca existiu em “Álbum dos Desesquecimentos”, série que coleciona fotos antigas de casais negros e sáficos.

Já Karola Braga, da galeria Luis Maluf, parte de sua pesquisa olfativa para trazer dois projetos opostos ou complementares. Em uma das dalas, evoca uma cena de corpos suados e defumados de cigarro num fim de festa em “Algazarra”. No banheiro da outra, seu sabonete “Em Suas Mãos” acompanha e traz textura à uma fantasia amorosa, escrita numa placa de latão.

Entre os outros artistas, Fefa Lins se retrata abraçando a si numa cena de acolhimento e dor que conversa com sua trajetória como homem trans, e Adriel Visoto taz um mundo gay e introspetivo em seus mini retratos. Caroline Ricca Lee, artista não binária, fala com delicadeza de cotidiano e identidade em suas esculturas que misturam tecidos e cerâmicas.

Na tela de Lia D Castro, “Resíduo da Noite Anterior”, um homem repousa no colo de uma mulher sobre um lençol sujo, que extrapola a tela numa faixa de tecido encardido. Com sensibilidade, a artista transexual retrata seus encontros íntimos com desconhecidos em seus anos de prostituição.

Essa variedade na seleção dos artistas vem de uma vontade de representar com pluralidade o que é ser “cuir”, versão latinizada da palavra “queer”, no sul global, como explica Marina Schiesari, curadora institucional da Verve.

A exposição conversa de certa forma com a programação deste ano do Masp, que tem em cartaz exposições relacionadas à temáticas LGBTQIA+, como a de Francis Bacon e a de Mário de Andrade.

O “sou” de “Cuir Sou” vêm da propriedade com que a Verve aborda o assunto, sendo uma galeria gerida por um casal gay, com outras pessoas queer na equipe e tendo sido um dos primeiros espaços a representar mulheres trans na América Latina. A exposição a inauguração da terceira sala da Verve no Edifício Louvre, que ocupa há três anos.

Allann Seabra fundou a galeria em 2013, num espaço em Pinheiros, e pouco depois conheceu Ian Duarte, hoje seu marido e parceiro na chefia do espaço. Em certo momento, os dois decidiram que precisavam de um espaço maior, e Duarte, que é arquiteto, foi influente para a mudança da Lisboa, rua em Pinheiros, para o Louvre, edifício histórico no centro de São Paulo.

A galeria começou na nova casa com apenas uma loja, no segundo andar do prédio, voltada para a rua. Depois adotaram uma segunda, a vitrine do térreo, que além de chamariz, funciona como ateliê para Allann, que também é artista, e João GG, que também tem uma obra na “Cuir Sou”.

“A Louvre é uma região de destino, as pessoas saem de outros bairros de São Paulo e vem para o Centro e ficam aqui”, afirma Allann. “O pessoal vem para uma abertura e sai para almoçar, volta, fuma um cigarro aqui na varanda, troca uma ideia com as pessoas, é um lugar muito acolhedor.”

O terceiro ambiente, recém adquirido, é fruto da expansão da galeria, que representa cada vez mais artistas -hoje são 22-, e quer continuar expandindo, Allann deixa claro. “Na próxima vez que você vier no Louvre, vai ser um andar inteiro”, brinca Schiesari, a curadora.

“Queremos pegar outros espaços, receber outras galerias, mesmo de fora do país, ter esse intercâmbio, e receber artistas que não são representados”, diz Allann.

CUIR SOU

Quando Até 3 de agosto

Onde Galeria Verve, no Edifício Louvre – Av. São Luis, 192, São Paulo

Preço Gratuito

DIOGO BACHEGA / Folhapress

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