No dia 20 de outubro, a BR-101 foi interditada num trecho de 27 quilômetros em Muriqui, região de Mangaratiba (RJ), devido às chuvas intensas registradas no dia anterior. Projetada para ser uma rodovia turística, aproveitando as belezas naturais do litoral dos dois estados, a Rio-Santos já consumiu R$ 305 milhões só nos reparos de mais de 450 sinistros após fortes chuvas ainda em 2022.
O crescimento desordenado das últimas décadas, com ocupações irregulares, aliado às mudanças climáticas, obriga a rodovia de belas paisagens e traçado irregular, próxima ao mar e criada na serra, a passar por constantes obras em suas encostas entre os dois estados. É no entorno que mora o principal problema.
A Folha de S.Paulo percorreu cerca de 1.000 quilômetros da BR-101 em quatro estados -Santa Catarina, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco- para mostrar os problemas que atrapalham as populações que habitam o seu entorno ou que necessitam dela para o escoamento das suas produções.
A rodovia litorânea corta 11 estados de três regiões brasileiras -Sul, Sudeste e Nordeste-, ligando o Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte e, embora tenha condições gerais classificadas pela CNT (Confederação Nacional do Transporte) como boas ou regulares, enfrenta gargalos que travam o desenvolvimento.
Rodovia que em dias normais recebe de 21 mil a 29 mil veículos, a BR-101 no trecho de 270 quilômetros entre Ubatuba, no litoral norte, e Rio de Janeiro, chega a receber 50 mil veículos diários em feriados nacionais, de acordo com a concessionária CCR RioSP, para destinos como Paraty, Angra dos Reis e Mangaratiba.
O clima é um problema que cada vez mais provoca prejuízos às rodovias, como registrado na tragédia climática do primeiro semestre no Rio Grande do Sul, segundo Tiago Veras, gerente-executivo de desenvolvimento do transporte da CNT.
Um estudo da entidade mostrou que serão necessários R$ 27 bilhões em investimentos para voltar a estrutura rodoviária ao que era antes do registro dos eventos climáticos no Sul. “Não é para melhorar, é só para voltar ao que era antes”, afirmou.
Na Rio-Santos, em outro trecho, de concessão estadual paulista, foram investidos R$ 73 milhões -incluindo ações na Mogi-Bertioga-, segundo a Secretaria de Meio Ambiente, Infraestrutura e Logística, para mitigar os efeitos do desastre climático de fevereiro de 2023, que resultou em 65 mortes no litoral norte.
“Essa preocupação com o superaquecimento global, temperatura do planeta crescendo um grau e meio e esses efeitos climáticos têm ocorrido de uma maneira diferente, o que pauta também o custo na hora que você vê o negócio. Além de você pensar nas estruturas que ali existem, aquilo que está previsto em contrato, você tem um conteúdo de resiliência que às vezes não vem junto”, disse Fausto Camilotti, diretor de operações da CCR Rodovias, que inclui um núcleo de resiliência climática.
Por conta da imprevisibilidade cada vez mais frequente do clima, a CCR RioSP criou esse setor para agir e, além de evitar riscos aos motoristas, buscar reduzir prejuízos financeiros.
O objetivo da Rio-Santos, surgida nos anos 1970, foi o de desenvolver o litoral norte paulista, que à época era pouco explorado.
Num intervalo de três décadas, o litoral paulista viu sua população mais que dobrar, num movimento de crescimento que teve início após a construção da rodovia, apelidada na época de “estrada do turismo”.
Uma das consequências da explosão habitacional foi o aumento das construções em áreas com elevado risco de deslizamento, junto à Serra do Mar e próximo à BR-101.
Fechamento em caso de risco
O gestor da área de resiliência climática disse que a rodovia foi dividida em trechos de dez quilômetros cada, que, conforme o volume de chuva, resulta em medidas mais restritivas. Se ela chegar a 90 ou 100 milímetros num intervalo de 24 horas obrigatoriamente o tráfego é interrompido no local.
Segundo ele, quando ocorre um desastre como o do Sul ou os registrados nos litorais de São Paulo e Rio, isso gera um reinvestimento, que envolve governos estaduais e órgãos de regulação, para discussão do desastre e do reequilíbrio econômico provocado pelo clima, respectivamente.
“[Discutir] Se parte vem de recurso do governo, se vem de recurso do regulatório, e aí reequilibrando na tarifa, na extensão de prazo. Tudo isso está em uma grande discussão. É complicada a forma como reequilibra, porque pode gerar um nível de insatisfação de quem paga a tarifa”, disse o executivo.
A interdição registrada no dia 20 de outubro em Mangaratiba resultou na liberação da pista horas depois entre os quilômetros 455 e 428, mas a concessionária alega que foi necessária para evitar riscos aos motoristas e passageiros que trafegam no trecho.
Lentidão e traçado
A Pesquisa CNT de Rodovias mostra que um trecho da 101, entre os quilômetros 40 e 50, está entre os dez trechos mais perigosos de São Paulo, com 118 acidentes no ano passado.
Aponta ainda que um trecho em Ubatuba, concedido, está entre os piores do estado, com classificação geral regular -é o único dos oito trechos citados sob concessão.
De maneira geral, a rota paulista da rodovia é boa em relação ao pavimento e à geometria, tendo a sinalização regular.
Um obstáculo aos motoristas é a lentidão causada por essa rota ser, literalmente, uma avenida em muitos pontos do litoral. Em Ubatuba, por exemplo, há um grande tráfego de bicicletas e até mesmo de pedestres nos acostamentos. Também não é duplicada em boa parte.
Diretora-presidente da CCR RioSP, Carla Fornasaro afirmou que entre os desafios da Rio-Santos está o fato de ela ser muito urbana e de ter as características geológicas que possui, além de passar próxima da usina nuclear de Angra dos Reis.
“Tem as encostas da Serra do Mar, cobertas pela vegetação, e nem sempre você tem a plena visão do que está por baixo daquilo. E, do outro lado, tem o mar. Você tem um espaço físico para se trabalhar que é bastante delicado”, disse.
Dos 450 pontos atingidos há dois anos, alguns ainda estão em fase de recuperação, de acordo com ela, por terem sido danos muito extensos. O volume de chuva em dois dias chegou a 600 milímetros.
“A concessionária é guardiã da faixa do domínio, mas esses sinistros se estenderam muito além, muito mais para encostas, para baixo, muito para cima, na serra. Esses mais complexos demandaram projetos de engenharia e soluções mais complexas.”
A Rio-Santos tem gestão fatiada. Enquanto a concessionária administra a rota do Rio a Ubatuba, o DER (Departamento de Estradas de Rodagem) responde pelo trecho de Ubatuba a São Sebastião, no litoral norte, e dos quilômetros 130 a 248. A Prefeitura de São Sebastião, por sua vez, tem a gestão de um trecho urbano de dez quilômetros e a Ecovias é a gestora da rota entre Guarujá e Praia Grande, já na Baixada Santista.
Entre os investimentos previstos no contrato de concessão entre Ubatuba e o Rio, que terminará em 2052, estão a duplicação de 80 quilômetros de rodovia a partir de 2028, a construção de 37 novas passarelas, de mais de 30 quilômetros de faixas adicionais e de 11 quilômetros de novas pistas marginais.
A rodovia na área de concessão é duplicada somente entre os quilômetros 380 e 416, entre Rio e Itaguaí, e tem duplicação prevista entre Mangaratiba e Angra dos Reis. Já as faixas adicionais serão construídas em Ubatuba (7 km), Paraty (17 km) e Angra (12 km).
Entenda os problemas
Como é a gestão
Na Rio-Santos, a Prefeitura de São Sebastião administra um trecho urbano de 10 km, a Ecovias é a gestora entre Guarujá e Praia Grande, o DER responde pelo trecho de Ubatuba a São Sebastião e a CCR RioSP administra o trecho de Ubatuba ao Rio
Os principais problemas
criada para desenvolver o litoral norte, passou a conviver com ocupações ilegais às margens da rodovia construções em áreas de risco de deslizamento, junto à Serra do Mar trânsito de pedestres e ciclistas no acostamento nos trechos urbanos longas filas em trechos urbanos
O desastre de 2022
Foram registrados 450 problemas como deslizamentos em 270 km da Rio-Santos entre Ubatuba e o Rio, que consumiram R$ 305 milhões em reparos
O que ocorre hoje
A rodovia foi dividida pela concessionária em trechos de 10 km cada, que podem ser fechados conforme o risco de desastres em caso de chuva forte
Obras previstas no trecho concedido à CCR RioSP
duplicação de 80 km a partir de 2028 (entre Mangaratiba e Angra dos Reis) construção de 37 passarelas implantação de mais de 30 km de faixas adicionais (Ubatuba, Paraty e Angra) criação de 11 km de pistas marginais
Fontes: CCR RioSP e CNT (Confederação Nacional do Transporte)
MARCELO TOLEDO / Folhapress