BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Transparência Internacional, ONG que o ministro Dias Toffoli mandou investigar nesta segunda-feira (5) a partir de um pedido do deputado federal Rui Falcão (PT-SP), tem dito nos últimos meses que o integrante do STF (Supremo Tribunal Federal) deu decisões com “fortes evidências” de conflitos de interesses.
Também tem criticado as escolhas que o presidente Lula (PT) fez para o Supremo em seu terceiro mandato, como a de Cristiano Zanin, que atuou como do petista, e de Flávio Dino, que foi ministro da Justiça e Segurança Pública.
Toffoli pretende que seja apurado se a ONG participou da administração da aplicação de multa imposta à J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, no acordo de leniência da empresa.
Segundo o ministro, a Transparência, que ele chamou de instituição privada “alienígena” e “com sede em Berlim”, pode ter recebido valores que deveriam ter sido destinados ao Tesouro Nacional. Escreveu ainda que “fatos gravíssimos” não passaram pelo crivo do Judiciário e do TCU (Tribunal de Contas da União).
Em comunicado, a Transparência diz que não recebeu nem administrou recursos da multa, e apenas produziu, sem qualquer remuneração, estudos e apresentou recomendações de práticas de governança e transparência.
A entidade afirma que informações inverídicas e distorcidas têm sustentado “campanha difamatória contra a Transparência Internacional”.
A própria PGR (Procuradoria-Geral da República) já referendou, em dezembro de 2020, a informação de que a Transparência Internacional não recebeu qualquer tipo de remuneração pela assistência prestada na leniência.
Em ofício, a subprocuradora-geral da República Samantha Chantal Dobrowolski afirmou que a entidade “prestou somente auxílio no planejamento e na definição de estratégias de investimento dos recursos envolvidos, estudando formas de reparação à sociedade e propondo metodologias para a melhor execução de projetos sociais”.
Ela afirmou que a entidade seguiu “as melhores práticas internacionais, de que é conhecedora, inclusive, devido a sua ampla inserção no exterior, como organização não governamental de alcance mundial que é”.
Ao assinar um memorando de acordo técnico cooperativo, havia previsão explícita, apontou a PGR, de proibição a “qualquer transferência de recursos para que a instituição não governamental realizasse o apoio técnico cooperativo”.
Uma semana antes da decisão de Toffoli, a Transparência Internacional citou o ministro em relatório que apontava aumento do índice de percepção da corrupção do Brasil.
Em meio a críticas sobre relações impróprias entre magistrados, políticos e empresários e falta de transparência da participação de juízes em eventos patrocinados, a ONG mencionou decisões como a de Toffoli de suspender o pagamento de multa da leniência da J&F.
O órgão apontou que o ministro decidiu, de maneira monocrática, “com fortes evidências de conflito de interesses e outras heteredoxias processuais” em casos de corrupção.
A mulher de Toffoli, Roberta Rangel, é advogada do grupo dos irmãos Batista, responsável pela atuação no litígio entre a empresa e a Paper Excellence pelo controle da Eldorado Celulose.
“No intervalo de pouco mais de dois meses, ele [Dias Toffoli] anulou todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (rebatizada de “Novonor”) e suspendeu multa de mais de R$ 10 bilhões aplicada ao grupo J&F, proprietário da JBS”, aponta o texto da Transparência Internacional.
Além disso, em artigo para o jornal O Globo nesta segunda, o diretor-executivo da Transparência Internacional no Brasil, Bruno Brandão, também critica a suspensão da multa da leniência da Novonor por Toffoli, que classifica como “maior caso de corrupção transnacional da história”.
No relatório da semana passada, a ONG também apontou que houve uma negligência do governo Lula no “resgate da autonomia do sistema de Justiça” com as indicações para o STF de Zanin e de Dino. Neste último, aponta críticas da sociedade a um “perfil político para um tribunal já excessivamente politizado”.
As menções foram feitas em ranking da ONG que apontou que o Brasil caiu dez posições e ficou em 104º lugar entre 180 países no IPC (Índice de Percepção da Corrupção) de 2023.
A Transparência afirmou que o desmonte de marcos institucionais contra a corrupção foi feita na gestão Jair Bolsonaro (PL), mas que o governo Lula falhou na reconstrução de mecanismos similares.
A divulgação do ranking provocou reações do governo Lula. Em nota, a CGU (Controladoria-Geral da União) afirmou que os resultados de levantamentos do tipo devem ser vistos com cautela.
Diversos organismos internacionais entre eles ONU, G20 e OCDE têm discutido a elaboração de novas medidas sobre o tema. A corrupção é um fenômeno complexo e nenhum indicador consegue medir todos os seus aspectos”, disse o texto do órgão.
Já Flávio Dino disse, em cerimônia de despedida do ministério, que o relatório faz “afirmações bastante exóticas”. Segundo ele, o que mudou é que houve um fim da “política de espetacularização de combate à corrupção, que é uma forma de corrupção”.
JOSÉ MARQUES / Folhapress