MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – O governo Lula (PT) deu início nesta quinta-feira (7) a ações para expulsão de garimpeiros invasores da Terra Indígena Mundurucu, no sudoeste do Pará, um dos três territórios mais invadidos no país para a exploração ilegal de ouro.
Reuniões de coordenação geral são feitas nesta quinta em Itaituba, com a participação de militares do Exército. Na sexta, efetivos militares e civis vão se deslocar a Jacareacanga, onde foi instalada a base da operação de desintrusão. A cidade é a mais próxima do território, cujo acesso se dá pelo Tapajós e por outros rios da região.
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A coordenação da operação identificou 21 pistas clandestinas para pouso e decolagem de aeronaves do crime. O objetivo é destruir essas pistas, de difícil acesso, com explosivos.
As equipes também vão inspecionar pistas para voos fora da terra indígena, nas proximidades do território. Se ficar constatada a ilegalidade, essas pistas também serão destruídas, segundo o governo.
As ações incluem monitoramento de distritos ao longo da chamada Transgarimpeira, via que conecta unidades de conservação onde é comum a exploração de ouro. Esses distritos são portas de entrada para o garimpo ilegal na terra Mundurucu, conforme mapeamento feito para a operação de desintrusão.
As ações devem durar pelo menos 90 dias. Envolvem militares do Exército e agentes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis), ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), PF (Polícia Federal) e PRF (Polícia Rodoviária Federal), entre outros órgãos.
A coordenação é feita pela Casa Civil da Presidência da República. A ação do governo federal atende a uma decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), que ordena, desde o governo Jair Bolsonaro (PL), a retirada de invasores de territórios tradicionais. Também há decisões da Justiça Federal.
O plano de expulsão dos invasores foi homologado pelo Supremo. Haverá patrulhamento em Jacareacanga, cidade onde o comércio é movimentado pelo garimpo ilegal, reconhecimento de áreas onde há atuação de invasores e emprego de seis aeronaves de Ibama, PF e PRF.
O governo não faz uma estimativa de quantos são os invasores na terra Mundurucu. Equipes envolvidas nas ações constataram que é comum um vaivém de garimpeiros, com atividades de exploração por dois ou três dias.
“O fundamento da operação é o cumprimento de uma decisão do STF e de decisões da Justiça Federal”, disse à Folha Nilton Tubino, assessor da Casa Civil responsável pelas operações de desintrusão em terras indígenas. Ele também é diretor da Casa de Governo em Roraima, estruturada durante as ações de emergência em saúde pública na terra Yanomami.
As ações incluem conversas com associações mundurukus a favor do garimpo ilegal de ouro e com representantes do município de Jacareacanga, também defensores da atividade exploratória.
“É uma operação de longo prazo, e pode haver tensionamento com financiadores da atividade ilegal. O mínimo são 90 dias”, afirmou Tubino.
A terra Mundurucu é uma das mais populosas do país, com 9.257 indígenas mundurukus e apiakás em 150 aldeias.
A invasão de máquinas e acampamentos do garimpo, num lugar de difícil acesso, é bem mais recente quando comparada com a realidade dos outros territórios mais invadidos pelo garimpo a terra Kayapó, no sul do Pará, e a terra yanomami, no noroeste de Roraima.
Os kayapós mebengôkres e os yanomamis sofrem pressões pelo ouro ilegal, de forma consistente, desde a década de 80. Na terra Mundurucu, esse processo se intensificou a partir de 2018.
Passaram a ser frequentes no território casos de crianças e mulheres com doenças neurológicas, o que deve estar conectado a intoxicações por mercúrio, segundo avaliações de equipes médicas que acompanham a evolução dos casos.
Meninos e meninas mundurukus têm retardo mental grave e atraso de desenvolvimento, um quadro que pode estar associado à contaminação das mães por mercúrio e que precisa de investigação mais ampla, segundo profissionais de saúde que acompanham a situação dos indígenas.
A reportagem da Folha esteve na Terra Indígena Mundurucu em setembro de 2023, para um dos capítulos da série Cerco às Aldeias, publicado no mês seguinte.
Em uma das aldeias onde a reportagem esteve a Katõ, a principal do rio Kabitutu, três meninas, de dois a sete anos, foram diagnosticas com “retardo mental grave”, “atraso do desenvolvimento psicomotor” e “transtornos globais de desenvolvimento”, como consta em prontuários.
As famílias recorrem a pajés da aldeia e de comunidades vizinhas em busca de respostas para a saúde das crianças. Há dificuldade de assistência médica em razão do isolamento e das distâncias parte das famílias vai até Santarém (PA), e para isso é preciso percorrer os rios Kabitutu e Tapajós até Jacareacanga, o que pode levar cinco horas, e mais 760 km até Santarém.
Os garimpos desorganizam as comunidades mundurukus, geram conflitos internos, engolem roças das aldeias, enlameiam os rios, despejam mercúrio na água e adoecem os indígenas, com avanço de malária e diarreia.
Essa é a sexta operação de desintrusão no governo Lula. A expulsão de invasores na terra Yanomami, iniciada em fevereiro de 2023, segue em curso. Na maior terra indígena do Brasil, uma emergência em saúde pública, deflagrada em janeiro de 2023, tenta conter a crise humanitária vivenciada pelos yanomamis, com grande quantidade de casos de desnutrição e malária.
As outras desintrusões ocorreram nas terras indígenas Alto Rio Guamá, Apyterewa e Trincheira Bacajá, no Pará, e Karipuna, em Rondônia.
VINICIUS SASSINE / Folhapress