FOLHAPRESS – Desde que deixou Batman de lado, Christopher Nolan tem se especializado em dar passos maiores que suas pernas, caso de “Dunkirk” e “Interestelar”.
“Oppenheimer” era, portanto, a grande chance de se aproximar de um assunto de atualidade, nem tão batido quanto a resistência inglesa no início da Segunda Guerra, nem tão atrapalhado quanto o fim dos tempos. Sendo Oppenheimer “o pai da bomba atômica”, traz consigo a sombra da guerra de destruição total que hoje nos ameaça e, ao mesmo tempo, de uma segunda guerra fria.
Nolan observa o jovem pesquisador em fase de crescimento, adquirindo uma reputação de físico genial; depois, como o cérebro principal do Projeto Manhattan, que levaria à criação da bomba A; por fim, como vítima da caça às bruxas protagonizada pelo senador Joseph McCarthy já no início da guerra fria.
A divisão faz sentido. A ideia de fragmentar essas partes, ao menos como foi realizada, bem menos. A fragmentação produz viagens para frente e para traz e do branco e preto ao colorido que não colaboram para o entendimento das coisas. Repete o problema de “Dunkirk”: um tique, uma notação autoral, nada mais. Ela funciona em alguns momentos, como o encontro entre Oppenheimer e Einstein, que aparece no início e no final, mas é tudo.
Para assistir ao filme com algum sossego convém conhecer alguns dados da história dos EUA, como o fato de que a caça às bruxas do macarthismo visava menos aos comunistas do que aos adeptos da política de Franklin Roosevelt. Era entre esses que se poderia localizar Oppenheimer nos anos 1930.
O momento em que o filme melhor se sai é, em definitivo, aquele de menor ambiguidade do personagem. Oppenheimer parece convencido, durante seu trabalho em Los Alamos, de que a bomba atômica seria o fim de todas as guerras, e é nessa direção que orienta seu trabalho.
Além do mais, sendo judeu, acabar com os nazistas numa tacada só lhe parece algo moralmente aceitável. Mesmo ali, no entanto, uma sombra surge muito forte: a possibilidade de que uma explosão da bomba destrua o planeta não é descartável, embora seja remota.
O terceiro momento mistura o problema de consciência que o assola depois das detonações de Hiroshima e Nagasaki (afinal, Oppenheimer queria usar sua criação contra os rivais nazistas, não contra a população japonesa) e os ataques que começa a sofrer durante a caça às bruxas, em que, insidiosamente, misturam-se posições políticas antigas e ideias sobre física.
De certa forma, é nessa parte que o filme resolve o dilema de Oppenheimer, o nosso protagonista, não ter, até o pós-guerra, nenhum antagonista. Eis algo que o cinema de Hollywood não tolera.
É então que surgem dois antagonistas: Edward Teller, dito “o pai da bomba H”. Mas no pós-guerra é que ele aprontará algumas ursadas contra o nosso amigo Oppenheimer.
O principal oponente, porém, é o almirante Lewis Strauss, figura central da comissão de energia atômica, isto é, de certa forma o empregador de Oppenheimer. Por trás dele, pode-se perceber o próprio Estado americano e seu belicismo.
“Oppenheimer” esteriliza esse aspecto delicado ao erigir Lewis Strauss em vilão e atribuir a ele tudo que infelicita o grande físico.
O filme é, em poucas palavras, uma história a desenrolar, levada por Nolan, que parece ter certo prazer em enrolar as coisas. Prazer? Ao obscurecer a trajetória do físico, ao deixar em segundo plano a angústia moral e mesmo o arrependimento por ter criado uma arma capaz de destruir a humanidade, Nolan obscurece a grande questão de atualidade de seu filme: a retomada da corrida armamentista entre Rússia e EUA, o aprofundamento do espírito bélico americano nos últimos anos, em suma: o perigo mesmo de destruição da humanidade como decorrência de uma guerra nuclear.
Com diálogos bem escritos e bons atores bem dirigidos e bem maquiados, “Oppenheimer” seria um posto privilegiado para observar a história dos EUA desde os anos 1930 até os 2020. Por que Christopher Nolan o esteriliza, ao mesmo tempo em que decora seu filme com periódicas e fotogênicas explosões atômicas?
Difícil dizer. Pode ter sido imposição dos distribuidores. Pode ter sido pressão do Departamento de Estado, do FBI ou de quem mais seja. Mas não é nada impossível que o gosto de Christopher Nolan por tornar obscuro o que em si já não é tão simples é que se tenha imposto aqui.
É em todo caso, um dos poucos exemplos que Hollywood e cercanias nos oferecem hoje de um cinema para mentalidades com mais de 12 anos, uma pena que se tenha transformado num mastodonte de três horas que navega pesadamente da Depressão à caça às bruxas para desembocar num filme de tribunal apenas enfadonho.
OPPENHEIMER
Avaliação Regular
Quando Estreia nesta quinta (20) nos cinemas
Classificação 16 anos
Elenco Cillian Murphy, Robert Downey Jr. e Emily Blunt
Produção Estados Unidos, 2023
Direção Christopher Nolan
INÁCIO ARAUJO / Folhapress