BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A organização do Acampamento Terra Livre (ATL), principal ato do movimento indígena em Brasília, decidiu não convidar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seus atos, ao contrário do que aconteceu em 2023.
O movimento vê o governo petista com insatisfação até agora e quer cobrar não só Lula, mas também o Congresso Nacional para que avancem políticas públicas de garantia dos direitos dos povos, sobretudo as demarcações de terras indígenas que andam devagar no Executivo e sofrem derrotas no Legislativo.
Dos 14 territórios que o governo federal prometeu demarcar em seu primeiro ano, fez apenas 8.
Em 2023, Lula foi convidado ao ATL e compareceu. Durante o ato, anunciou as primeiras demarcações de seu novo governo e ergueu uma bandeira contra o marco temporal. Em 2022, então pré-candidato, ele também participou do acampamento.
Os últimos seis dos territórios que faltavam ser homologados devem ser assinados por Lula nesta quinta (18), no encerramento do CNPI (Conselho Nacional de Política Indigenista).
O conselho, extinto pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi agora reativado. O órgão tem como objetivo elaborar políticas públicas para subsidiar a gestão federal.
A reinstalação do CNPI, inclusive, já foi pauta de reivindicação do ATL. O acampamento acontece anualmente, em abril, mês em que o movimento indígena concentra celebrações culturais e atos políticos do chamado Abril Indígena o dia 19 marca o Dia dos Povos Indígenas. O principal evento é o acampamento.
Se por um lado o presidente não foi convidado para o ATL de 2024, por outro, o movimento, em nova sinalização política, quer desta vez ser recebido. E não só no Palácio do Planalto, mas também pelos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), além de ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e da Esplanada.
A Folha questionou os Três Poderes e as principais pastas da Esplanada, que não responderam se vão ou não, receber as lideranças. Apenas o Ministério dos Povos Indígenas já tem agendas programadas.
O 20º Acampamento Terra Livre será realizado entre os dias 22 e 26 de abril. A principal pauta serão as demarcações, além de um balanço das duas décadas de luta em Brasília.
O tema do evento é “nosso marco é ancestral”, uma crítica à tese do marco temporal, transformada em lei pelo Congresso Nacional em uma ofensiva da bancada ruralista e da oposição.
Além de debates e palestras, o evento terá três atos principais: uma projeção nas torres do Congresso Nacional e duas marchas uma rumo ao Ministério da Justiça, pela reivindicação das demarcações, e outra em direção à praça dos Três Poderes, para marcar os 20 anos de mobilização e cobrar por políticas públicas também em saúde, educação e assistência social, por exemplo.
No início do acampamento será divulgada uma carta com as reivindicações do movimento.
Dinamam Tuxá, coordenador da Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), afirma que a decisão de não convidar Lula faz parte de uma mudança de estratégia.
“Esse modelo não estava agregando para o acampamento. Entendemos que é o momento de fazer uma ida ao Palácio do Planalto, para fazer a nossa cobrança devida ao presidente”, diz. “Tentaremos criar um acampamento mais propositivo, para destravar a política indigenista.”
Tuxá vê no Congresso um cenário “totalmente desfavorável” para os povos indígenas, mas se diz “insatisfeito” com as políticas públicas aplicadas pelo governo por exemplo, a operação yanomami em Roraima e com a articulação do Executivo no Legislativo.
Ele pondera que a aprovação do marco temporal no Congresso cria um novo obstáculo para os estudos dos territórios reivindicados e afirma que os parlamentares esvaziaram o Ministério dos Povos Indígenas e passaram a etapa de declaração das terras indígenas para o Ministério da Justiça.
Mas lembra, por outro lado, que nem mesmo todas as demarcações que já estavam na última fase de tramitação (na Casa Civil) foram efetivadas no primeiro ano de governo, o que era uma promessa, e reclama do ex-ministro da Justiça Flávio Dino, que deixou o cargo sem ter avançado com nenhum processo.
Num balanço final, Tuxá se diz “descontente” ao constatar que o governo sacrificou a pauta indígena no Congresso para avançar em outros temas.
“Nós estamos vendo um alinhamento muito próximo dele com o agronegócio, que são nossos inimigos históricos. Estão negociando os direitos dos povos indígenas para adquirir governabilidade, isso deixa a gente muito incomodado”, afirma.
A bancada ruralista atualmente é a mais poderosa do Congresso, com mais de 300 parlamentares. Em 2023, liderou diversas derrotas contra o governo Lula, como a desidratação dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, a aprovação do marco temporal e a derrubada de uma série de vetos de Lula, inclusive desta lei.
“Apesar dele [Lula] ter feito os vetos [ao marco temporal], nós não vimos grande mobilidade ou movimentação para a defesa dos vetos. Tivemos, sim, o MPI fazendo esse trabalho a todo custo, né? Mas pleiteamos que houvesse um maior engajamento de todo o Executivo, do próprio presidente”, completa.
Tuxá avalia que o Ministério dos Povos Indígenas faz o que é possível, mas está em desvantagem na correlação de forças da Esplanada, tratado com pouco prestígio perante outras pastas e sem apoio em suas pautas. Diz que a ministra Sonia Guajajara, por mais que esteja no governo, ainda é uma parente e aliada.
O coordenador da Apib também liga o alerta para as novas movimentações do STF em torno do marco temporal e diz ver com especial preocupação a nova eleição para presidentes da Câmara e do Senado em 2025. “Dependendo da conjuntura e dos acordos que se façam, nós vamos ser mais uma vez penalizados pelas movimentações políticas.”
JOÃO GABRIEL / Folhapress