SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As regras de tombamento dos bairros Jardins América, Europa, Paulista e Paulistano foram alteradas nesta segunda-feira (16) pelo Condephaat, o conselho estadual de patrimônio histórico.
Em discussão desde 2021, o novo parecer foi aprovado pela maioria dos conselheiros e revoga as resoluções de 1986, 1988 e 2021 sobre o conjunto desses bairros de alta renda na zona oeste da cidade de São Paulo.
Principal mudança da nova resolução, o tombamento estadual deixa de impor qualquer restrição quanto ao uso dos imóveis. Essa passa a ser uma atribuição exclusiva da Lei de Zoneamento, ou seja, da Câmara Municipal e da prefeitura.
Com isso, se tornam viáveis a criação de novos condomínios residenciais no bairro, tipo de empreendimento para o qual há forte interesse do mercado imobiliário.
A regra vigente até então era inspirada em contratos assinados por proprietários com o loteador original do Jardim América, que impunha o uso unifamiliar. A partir da nova resolução, o uso multifamiliar se torna viável.
Desmembrados e remembrados continuam permitidos desde que não destoem das dimensões do menor ou do maior lote da quadra, regra que já existia em resoluções anteriores. O que muda é que casos extraordinários, como de lotes muito maiores do que os demais, agora deverão ser avaliados caso a caso.
Como na regra de zoneamento a maior parte da área dos Jardins é de uso exclusivamente residenciais, eventuais condomínios criados nesses bairros serão obrigatoriamente horizontais -constituídos por casas térreas ou sobrados-, pois não são permitidos prédios nestas zonas.
O tombamento ainda limita a altura das construções a 10 m, mesmo gabarito imposto pela Lei de Zoneamento para aquela área. Prédios baixos, também limitados a 10 m, podem ser construídos em algumas das bordas, em lotes à beira de avenidas e que são considerados zonas corredores.
Algumas restrições ao uso dos terrenos aprovadas na nova resolução, porém, têm como objetivo evitar a descaracterização do bairro e evitar uma corrida imobiliária para a construção de condomínios amuralhados, segundo Mariana Rolim, vice-presidente do Condephaat.
Uma dessa regras proíbe a construção de ruas dentro dos lotes, o que caracterizaria a formação de vilas.
Outro ponto discutido foi o uso do subsolo dos terrenos, limitados em até 1,5 metro abaixo do nível da rua. A trava dificulta a construção de garagens subterrâneas, o que afetaria o lençol freático do bairro.
A maioria dos conselheiros já havia aprovado a mudança nas regras há duas semanas. Na ocasião, uma das integrantes do conselho, Andréa de Oliveira Tourinho, representante do IAB (Instituto de Arquitetos do Brasil), pediu vistas e o processo foi paralisado.
Submetido à votação nesta segunda, seu voto pelo envio da nova resolução para análise da UPPH (Unidade de Preservação do Patrimônio Histórico), braço técnico do Condephaat, foi rejeitado pela maioria dos conselheiros.
O traçado das ruas, os recuos das construções em relação às bordas dos terrenos e a manutenção da cobertura vegetal continuarão no tombamento.
Essas são características inspiradas nas cidades jardins inglesas criadas como resistência à industrialização que nortearam o projeto de loteamento do Jardim América a partir de 1915 pela companhia City.
Alguns lotes do Jardim América contam, inclusive, com uma restrição contratual que impede o uso multifamiliar. São casos em que a imposição da ocupação unifamiliar está no contrato original da City.
Apesar do interesse do mercado imobiliário na construção de condomínios de alto padrão na capital, as restrições impostas pelo Condephaat tendem a evitar a proliferação desse tipo de empreendimento nos Jardins, afirma Eduardo Della Manna, coordenador de legislação urbana do Secovi-SP (que representa o mercado imobiliário). “Haverá uma movimentação nesse mercado, mas não uma corrida”, diz.
O resultado da votação foi alvo de protestos de moradores contrários à revisão do tombamento. Integrantes do Coletivo Jardins levaram cartazes pela manutenção do uso unifamiliar dos lotes e se manifestaram durante a leitura da resolução com gritos e gestos efusivos, além de exigir que a votação pelo parecer da representante da IAB fosse aberta.
O presidente do órgão, Carlos Augusto Mattei Faggin, explicou que os votos são registrados nominalmente na ata da reunião.
Segundo a associação Ame Jardins, haverá descaracterização do bairro com as novas regras, com maior adensamento, tráfego de carros e poluição. Para os integrantes, a nova resolução também favorece a exploração do bairro pelas construtoras, atraídas pelas ruas arborizadas e residenciais.
Críticos à restrição ao uso unifamiliar do Jardins argumentam que, dessa maneira, a região se mantém acessível apenas aos muito ricos e com uma quantidade muito pequena de habitantes numa região fartamente abastecida por infraestrutura urbana, como meios de transporte e polos geradores de emprego.
O texto tem prazo oficial de 15 dias para ser homologado pela Secretaria Estadual de Cultura, mas esse prazo poderá ser ampliado em caso de recurso.
A Ame Jardins afirmou que irá recorrer das diretrizes aprovadas nesta segunda. “A decisão do Condephaat não reflete os anseios da comunidade, carece de estudos técnicos mais aprofundados e pode favorecer interesses externos que buscam flexibilizar regras de preservação”, diz trecho de nota.
Além de serem tombados pelo Condephaat, os Jardins também possuem regras de tombamento pelo órgão municipal de preservação do patrimônio, o Conpresp. Essa restrição, porém, não possui relação com o uso, mas sim quanto à dimensão dos lotes no que diz respeito a desmembramentos e remembramentos.
MARIANA ZYLBERKAN E CLAYTON CASTELANI / Folhapress