Outras formas de protesto não funcionam, diz grupo ecoativista que atacou ‘Mona Lisa’

LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – O ataque com sopa sofrido pela “Mona Lisa” no último domingo (28) foi uma ação de ativistas para anunciar o nascimento de um novo movimento pela justiça alimentar e climática na França, a Riposte Alimentaire (contra-ataque alimentar, em português).

As imagens da obra de arte mais famosa do mundo coberta com creme de abóbora, tendo ao lado duas ativistas com o slogan do coletivo, rapidamente viralizaram e, na avaliação do grupo, valeram os riscos e as críticas recebidas.

“Era exatamente o que estávamos buscando”, diz Catalina, uma das porta-vozes da Riposte Alimentaire. A jovem de 29 anos, assim como os demais integrantes do movimento, não divulga o sobrenome.

“A ideia era atrair a atenção midiática para a causa para depois mobilizar mais pessoas para comparecerem às nossas reuniões públicas. Queremos que elas participem conosco de outras ações disruptivas para que haja um movimento crescente para pressionar nossos governantes”, detalhou.

Segundo a ativista, o grupo recorre a ações mais radicais porque considera que todas as outras vias de protesto já foram esgotadas.

“Não gostamos de ter que empreender ações radicais ou dramáticas. Não é nada engraçado ser detida e passar muitas horas sob custódia da polícia, mas nós descobrimos que todas as outras formas de protesto que foram empreendidas nos últimos 30 anos não funcionaram”, diz Catalina.

“Os ambientalistas têm agido há mais de três décadas e nada mudou, as coisas ficam piores a cada ano. Por isso, não temos escolha senão tomar ações mais radicais ou que busquem mais atenção.”

A principal reivindicação da Riposte Alimentaire é a criação de uma espécie de bolsa-alimentação para os franceses, baseada em contribuições similares às que são feitas para a segurança social. A ideia é que os residentes no país recebam um cartão com um valor mensal de 150 euros (R$ 800) para serem gastos com alimentação.

Esse montante só poderia ser usado para comprar bens alimentares previamente selecionados, que obedeceriam critérios nutricionais e de boas práticas no campo e na produção, incluindo o cultivo orgânico.

A medida é justificada pelo grupo com as cifras crescentes de insegurança alimentar em território francês, que vêm aumentando com a pressão da inflação e do custo de vida de maneira geral.

Uma pesquisa divulgada em novembro pelo Observatório de Vulnerabilidades Alimentares da Fundação Nestlé indica que 37% dos franceses se declaravam em situação de insegurança alimentar. Os números são mais de três vezes superiores aos de 2015, quando eram 11%.

“É inaceitável que um país rico como a França tenha pessoas em situação de precariedade alimentar”, diz a porta-voz da Riposte Alimentaire.

A iniciativa também quer reduzir as emissões de gases-estufa ligados à alimentação. A pecuária e as importações de produtos cultivados a grandes distâncias contribuem para ampliar a pegada de carbono e o consumo de água associados aos alimentos.

Embora só tenha sido lançada oficialmente na semana passada, a organização é derivada de uma outra iniciativa que operou durante quase dois anos, a Dernière Rénovation (última renovação), que tinha como principal reivindicação a criação de um grande plano de reformas e melhoria de isolamento e de eficiência energética dos prédios na França.

Antes do “rebranding” que criou a Riposte Alimentaire, os ativistas da Dernière Rénovation também conduziram uma série de ações midiáticas de protesto e de desobediência civil.

Entre as manobras de maior repercussão do grupo estão a interrupção de um jogo de tênis no estádio Rolland Garros, a invasão de uma partida do time de futebol PSG e a presença de uma ativista infiltrada que subiu ao palco durante a cerimônia do prêmio César, considerado o Oscar francês.

O grupo também conduziu bloqueios em vias importantes de Paris e atingiu com tinta a sede de alguns ministérios franceses.

Após o governo francês anunciar um pacote bilionário dedicado à reforma dos imóveis e a melhoria energética das habitações no país, os ativistas decidiram se voltar para a causa alimentar.

A porta-voz da Riposte Alimentaire conta que todos os ativistas da organização fazem um treinamento específico sobre desobediência e resistência não violenta antes das ações, o que faz com que os integrantes se sintam mais seguros para participarem dos atos.

Identificadas como Sasha, 24, e Marie-Juliette, 63, também sem a divulgação dos sobrenomes, as duas ativistas que participaram do protesto no Museu do Louvre foram detidas após o episódio.

Elas passaram cerca de 25 horas em custódia, mas agora respondem ao caso em liberdade. Especialistas francesas consideram que a hipótese mais provável é de que elas recebam uma espécie de multa de cerca de 1.500 euros (cerca de R$ 8.000).

Em nota, o museu francês informou que a obra de Leonardo Da Vinci, que é recoberta com um vidro de proteção à prova de balas, não foi danificada. Após o ataque, que aconteceu por volta das 10h da manhã na hora local, a sala da “Mona Lisa” foi fechada ao público para a limpeza. Os trabalhos foram concluídos e o espaço reaberto às 11h30.

A ministra da Cultura da França, Rashida Dati, condenou a ação dos ativistas. “A ‘Mona Lisa’, como nosso patrimônio, pertence às gerações futuras. Nenhuma causa pode justificar que ele seja o alvo”, afirmou.

Nos últimos dois anos, movimentos ambientalistas escolheram protestar com ações simbólicas em várias obras de arte, principalmente na Europa e nos Estados. A própria ‘Mona Lisa’ fora atingida por um pedaço de bolo em 2022, lançado por um ativista climático americano que entrou no museu disfarçado como uma senhora idosa em uma cadeira de rodas.

Usando sopa, doces, cola e tinta, os manifestantes já atingiram obras de artistas como Van Gogh, Monet, Degas e outros. Como todas estavam protegidas por vidros e outros materiais de contenção, as peças não foram danificadas.

Os ativistas afirmam que o objetivo não é danificar as obras de arte, sendo apenas chamar atenção para suas causas e recrutar mais pessoas para o movimento.

Museus, contudo, têm se queixado das ações, citando despesas crescentes com segurança e manutenção das salas de exposição. Vários espaços na Europa têm apertado o controle sobre a entrada de comida e tintas em suas instalações.

O diretor do museu Leopold, em Viena, afirmou ao New York Times que há um processo contra os ativistas que, em novembro de 2022, lançaram um líquido preto contra um quadro de Gustav Klimt.

Hans-Peter Wipplinger afirmou que a instituição precisou contratar dois funcionários adicionais para a entrada, elevando os custos de operação em quase US$ 33 mil (R$ 162,1 mil), além da compra de proteções de vidro avaliadas em US$ 11 mil (R$ 54 mil).

O diretor também afirma que os preços dos seguros de pinturas importantes que atraiam grande público “aumentaram consideravelmente” após os episódios.

GIULIANA MIRANDA / Folhapress

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