GUARUJÁ, SP (FOLHAPRESS) – A Ouvidoria das Polícias de São Paulo apura denúncias de mais nove mortes por intervenção policial que teriam ocorrido entre o domingo (30) e esta segunda-feira (31) em Guarujá, no litoral paulista, em meio a uma megaoperação de segurança na região.
Com isso, o total de mortos desde sexta (28), quando teve início a ação da polícia, pode chegar a 19 -a ouvidoria já apurava outras dez mortes, que teriam ocorrido até a tarde de domingo.
Em um pronunciamento na manhã desta segunda, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) anunciou que a operação no litoral tinha deixado oito pessoas mortas até aquele momento. No início da noite, o delegado Antônio Sucupira, titular da delegacia do Guarujá, afirmou que mais duas mortes ocorreram nesta segunda. Com isso, o número confirmado pelo governo estadual chegou a dez.
Em sua declaração, Tarcísio defendeu a ação dos policiais e disse que não houve excessos por partes dos agentes. “Não tem nada disso”, disse. Ele afirmou ainda que está “extremamente satisfeito com a ação policial, extremamente triste porque nada vai trazer de volta um pai de família”, em referência ao soldado Patrick Reis, da Rota (a força de elite da PM paulista).
Em um evento a noite, depois que a Folha de S.Paulo já tinha informado sobre a apuração de mais nove mortes, ele se recusou a comentar o tema.
O secretário de Segurança Pública do estado, Guilherme Derrite, afirmou pela manhã que os relatos de abusos policiais “não passam de narrativa”. “Nós reagimos com essa violência na mesma proporção com que eles atacam as polícias”, disse ele.
Os dois elogiaram o trabalho dos policiais e afirmaram que nenhum relato do tipo foi repassado ao governo, mas que será investigado normalmente se isso ocorrer.
A ação da polícia na Baixada Santista é uma resposta à morte do soldado Reis, em Guarujá na última quinta (27), em um crime que gerou comoção entre os agentes.
Após o caso, o governo paulista deu início à Operação Escudo, envolve agentes de todos os 15 batalhões de operação especiais do estado. São cerca de 3.000 PMs, além de pelotões do Choque e do efetivo local.
O suspeito de ter efetuado o disparo que matou Reis se entregou na zona sul da capital paulista na noite de domingo.
Mesmo assim, a operação no litoral ainda deve durar mais um mês, disse o governo. Tarcísio prometeu o aumento do efetivo policial de forma permanente na região da Baixada Santista e a abertura de uma nova unidade da PM.
Após o início da ação policial, moradores e familiares das vítimas relataram à ouvidoria e ao Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) ameaças e abusos por parte dos policiais, além de terem denunciado os 19 casos de pessoas mortas pelos agentes.
Representantes dos dois órgãos e da comissão de direitos humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) foram à Delegacia de Guarujá na noite desta segunda para buscar boletins de ocorrência que possam confirmar essas mortes, além de pedir informações à polícia.
A expectativa da ouvidoria, do Condepe e da comissão da OAB era ouvir testemunhas que denunciaram um caso de tortura, mortes de inocentes, ameaças e invasões de casas por policiais mascarados. Segundo o presidente do conselho, Dimitri Sales, as testemunhas que estavam em contato com o órgão deixaram de responder ao longo do dia. Ele desconfia que essas estejam com medo de represálias por parte dos policiais.
“Se os casos forem à Justiça apenas com o relato dos boletins de ocorrência, deve prevalecer a versão dos policiais”, disse o presidente do Condepe.
Ao chegar a delegacia, os representantes dos órgãos ouviram de uma delegada auxiliar que os boletins registrados na unidade não chegavam a 19 mortes.
A ouvidoria disse que leva em conta não só as mortes confirmadas em boletins de ocorrência, mas também lesões corporais por arma de fogo que podem ter levado à morte mais tarde.
Entre os relatos que os órgãos de direitos humanos ouviram há casos de execuções sumárias.
A operação fez moradores de algumas regiões de Guarujá ficarem com medo de sair de casa nesta segunda. Segundo eles, policiais militares gritam, durante as patrulhas nos morros, para que as pessoas não saiam às ruas.
A reportagem conversou com três moradores da Vila Baiana, e todos pediram para não ter seus nomes divulgados por medo de represálias da polícia. Eles dizem que, após operações violentas no sábado e no domingo, resolveram não sair de casa nesta segunda.
É na Vila Baiana que uma família relatou ter ocorrido a tortura de um vendedor ambulante, na noite de sexta-feira (28), na viela João Fernandes de Almeida. O corpo de Felipe Vieira Nunes, 30, foi encontrado pela família com queimaduras de cigarro no braço, um hematoma na cabeça e um corte no braço.
Moradores voltaram a ouvir tiros na favela por volta das 16h desta segunda-feira. Havia mais de 20 viaturas do Baep (Batalhão de Ações Especiais da PM) concentradas na comunidade.
Os comércios e escolas na comunidade ficaram abertos, mas estão com o movimento abaixo do normal, segundo uma moradora.
Policiais armados fizeram várias incursões na favela durante a tarde, principalmente em grupos a pé. Há também patrulhas motorizadas, com carros e motos, ao redor do morro.
Uma das reclamações de duas moradoras é que as viaturas entram na favela em alta velocidade ao lado de crianças que estão na rua, aumentando o risco de atropelamentos. Uma menina de 15 anos foi ofendida por um dos policiais, segundo duas pessoas ouvidas pela reportagem.
Ao ser confrontado pela mãe, ele teria respondido que nada aconteceria com ele se atirasse contra a menina com o fuzil.
A reportagem encontrou um efetivo policial menor na Vila Zilda, comunidade na qual foi morto o soldado Reis.
O Ministério Público de São Paulo disse que vai investigar a operação das forças de segurança em Guarujá.
PM ATIROU AO MENOS 30 VEZES E MATOU 7 EM 42 HORAS EM GUARUJÁ
A reportagem teve acesso ao boletim de ocorrência de sete mortes na Operação Escudo. Os casos aconteceram em um intervalo de 42 horas em Guarujá entre a tarde de sexta-feira (28) e a manhã de domingo (30).
Em depoimento, os agentes públicos afirmaram ter atirado 34 vezes. Foram 17 disparos de fuzil e 17 com pistolas. Apenas em três dos casos os policiais afirmaram que os suspeitos chegaram a atirar contra eles.
As ações se concentraram em pontos de vendas de drogas em bairros distantes das praias da cidade. A justificativa dada pelos policiais que participaram das ocorrências, a maioria da Rota, foi semelhante: reações a abordagens. Em todos os casos foram apreendidos revólveres ou pistolas com os mortos.
TULIO KRUSE / Folhapress