SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um homem de 62 anos com dificuldade de locomoção por doença de Parkinson conseguiu retomar os movimentos nas pernas e andar normalmente após um implante na medula espinhal.
O paciente, Marc, vive em Bordeaux, na França, e recebeu o diagnóstico de Parkinson há 28 anos. Ele passou por remédios e outras terapias para ajudar a reduzir os sintomas associados à perda dos neurônios ligados à locomoção e equilíbrio, mas sem sucesso.
Com a progressão da doença, Marc precisou de outros tratamentos, como a estimulação cerebral profunda, que consiste em implantar alguns eletrodos no cérebro e fazer a estimulação elétrica de áreas afetadas com baixa produção do neurotransmissor dopamina.
No entanto, ele continuava a apresentar sintomas como “congelamento do andar” (freezing of gait, em inglês), onde, por um tempo de duração variada, apesar da intenção de andar, os pés e músculos das pernas “não obedecem” aos comandos cerebrais.
Assim, foram colocados os implantes para receber a chamada estimulação elétrica da epidural (EES, na sigla em inglês) e conseguir retomar o andar naturalmente. O aparelho é ligado quando ele está em movimento e desligado na hora de dormir.
Marc foi o primeiro paciente humano tratado após um ensaio pré-clínico usando nove modelos de animais (macacos Rhesus) com doença de Parkinson em laboratório. Os resultados foram publicados nesta segunda (6) na revista científica Nature Medicine.
A pesquisa conta com a colaboração de Jocelyn Bloch e Eduardo Morad, da Neurocirurgia do Hospital da Universidade de Lausanne (Suíça); do neurocientista Grégoire Courtine, da Escola Politécnica Federal de Lausanne e de outros pesquisadores de ambos os institutos. Os cientistas fazem parte do programa NeuroRestore, fundado em 2018 e com apoio da Fundação Defitech.
Segundo os autores, a EES é uma terapia segura, minimamente invasiva e já aprovada para uso desde a década de 1990 em pacientes que sofreram lesões na medula espinhal e, assim, apresentam paralisia.
A EES estimula diretamente os nervos da medula espinhal ligados à musculatura dos membros inferiores, gerando impulsos. Diferente de exoesqueletos robóticos, é a própria perna do paciente que vai desempenhar a função de locomoção. Como o sistema se conecta em diferentes regiões do membro, o andar é o mais natural possível.
Além dos impulsos na coluna, os movimentos foram acompanhados por uma ressonância magnética cerebral para ver as áreas do cérebro ativadas com o movimento.
Segundo Bloch, muitos dos pacientes tratados por ela apresentavam “congelamento” do andar, o que pode levar a quedas frequentes. “Em resposta à estimulação da medula espinhal, vimos pela primeira vez melhorias significativas no tipo de declínio locomotor observado em pacientes com Parkinson”, diz.
Até o momento, um único paciente tratado representa a chamada “prova de conceito”, mas outros participantes devem ser incluídos em ensaios clínicos para, após esta etapa, aprovar a terapia para uso em larga escala.
Os cientistas caminham para a realização de testes com seis outros pacientes, afirma Courtine. “A terapia é baseada no tipo de estimulação espinhal já utilizado para pacientes com lesões na coluna devido a acidentes adaptados para Parkinson. Um próximo passo natural é aumentar o número de indivíduos para conseguir reproduzir um tratamento que possa ser aplicado em outros pacientes”, pontua.
Se depender da melhora na qualidade de vida dos pacientes, a esperança com a nova terapia é grande. Segundo Marc, ele “renasceu pela segunda vez” com os implantes espinhais. “Eu tive o meu primeiro renascimento há 20 anos, quando fiz a estimulação cerebral profunda, mas infelizmente eu tive uma deterioração dos sintomas nos últimos anos, o que provocava muitas quedas. Há dois anos, a estimulação espinhal melhorou significativamente meu dia a dia”, diz ele.
Segundo Eduardo Morad, engenheiro neurologista, a tecnologia tem a vantagem de ser adaptável. “Não existe uma fórmula só. Algumas pessoas podem apresentar melhora com medicação, outras com estimulação cerebral e outras também com o implante espinhal. Também não há regra de só pode receber o implante quem já fez a estimulação cerebral. E, mais importante, é uma terapia complementar”, afirma.
“Marc já possui Parkinson avançado, e até agora nós vimos uma melhora significativa na sua condição. Isso é muito animador”, finaliza Morad.
A expectativa dos pesquisadores é entrar com o pedido de autorização para o ensaio clínico até abril do próximo ano e, se possível, iniciar o tratamento até o final de 2024.
A equipe recebeu um apoio de US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,1 mi) da Fundação Michael J. Fox, o maior fundo filantrópico para pesquisas de Parkinson, criado pelo ator de “De Volta para o Futuro”, que convive com a doença.
ANA BOTTALLO / Folhapress