Pacientes com hipertensão arterial pulmonar vão à Justiça para conseguir medicamento pelo SUS

RIBEIRÃO PRETO, SP (FOLHAPRESS) – A estudante de pedagogia Beatriz Martins de Lima, 23 anos, costumava desmaiar com frequência aos 15 anos e sentia falta de ar, mas sempre teve seu quadro associado a doenças como asma ou bronquite.

Aos 17 anos, ela recebeu o diagnóstico de hipertensão arterial pulmonar (HAP), doença da qual nunca tinha ouvido falar.

“Desde então minha vida mudou completamente. À princípio, achei que seria algo simples de se resolver, mas com o decorrer do tempo e depois de muita conversa com a minha equipe médica, entendi a gravidade”, conta a estudante.

A HAP é uma doença sem cura e que atinge cerca de 100 mil brasileiros, sendo a maioria, como Martins, com diagnóstico tardio. Sem terapia adequada, porém, de acordo com dados do Núcleo de Informação Hospitalar (NIH) da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, a média de sobrevida dos pacientes com o quadro é de apenas 2,8 anos.

Dentre as terapias disponíveis, estão as drogas sildenafila (conhecida popularmente como Viagra) e ambrisentana, mas há alguns anos um novo medicamento de alto custo, o selexipag (Uptravi, fabricado pela Janssen, o braço farmacológico da Johnson & Johson) tem demonstrado resultados mais adequados.

Apesar de ter sido incorporado pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS) no ano passado e constar no PCDT (Protocolo Clínico e Diretriz Terapêutica) do Ministério da Saúde para HAP, a droga ainda não é disponibilizada no serviço público.

“As medicações disponíveis já não faziam o efeito esperado, mas para obter o tratamento foi uma jornada muito complicada e burocrática. Depois de longos meses, consegui ganhar na Justiça e passei a ter esperança de uma vida melhor”, lembra Martins. Hoje, a futura pedagoga está casada e comemora uma recuperação que a permitiu voltar a andar a pé e de bicicleta, além da retomada dos estudos.

A Abraf (Associação Brasileira de Apoio à Família com Hipertensão Arterial Pulmonar e Doenças Correlatas) diz que a conquista demorou nove anos, mas que até hoje muitos pacientes ainda aguardam acesso ao tratamento.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que publicou, em 2023, o PCDT de hipertensão pulmonar, abordando “conceitos gerais, critérios diagnósticos e de inclusão e exclusão de tratamentos e mecanismos de regulação, controle e avaliação”. “O documento recomenda o uso de medicamentos como nifedipino, anlodipino, sildenafila, iloprosta, ambrisentana e bosentana, todos disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde). Além disso, o PCDT sugere medidas não farmacológicas, como restrição de sal na dieta e atividades físicas com acompanhamento especializado”, disse a nota.

Segundo o médico Caio Júlio César dos Santos Fernandes, professor de pneumologia da Universidade de São Paulo (USP) e pneumologista do InCor (Instituto do Coração), a luta para que os pacientes do SUS tenham disponíveis os demais medicamentos é importante pois há quadros refratários e bastante graves.

“Existem hoje autorizadas no Brasil três famílias de medicamentos para o tratamento da hipertensão arterial pulmonar, com cinco medicações disponíveis pelo SUS. No tratamento, em geral, combinamos medicamentos de duas ou três famílias, para permitir uma melhoria clínica significativa”, explica o pneumologista.

Dos medicamentos possíveis e custeados pelo SUS para HAP, quatro são comprimidos e um é medicação inalatória. “A HAP pode acometer pacientes de qualquer idade, desde recém-nascidos até idosos. Quanto mais cedo o paciente é tratado, melhor o resultado.

Um dos problemas aos pacientes de HAP é o desconhecimento, o que atrasa o diagnóstico. Para a definição da doença, o médico começa a desconfiar de HAP quando o paciente apresenta falta de ar. No entanto, esse sintoma costuma aparecer de forma mais branda no início e por ser comum a várias doenças.

“O paciente, em geral, já passou por vários médicos, que já consideraram vários diagnósticos diferenciais, como asma, enfisema, insuficiência cardíaca, anemia e ansiedade, sem considerar a possibilidade de HAP”, diz Fernandes.

Com o atraso do diagnóstico, muitos pacientes podem acabar perdendo a vida na espera. “O principal exame diagnóstico para a suspeita de HAP é um ecocardiograma, exame barato, simples, não invasivo, ou uma ultrassonografia do coração”, aponta o especialista. O resultado então permite encaminhar o paciente para um cateterismo cardíaco, exame de confirmação que é mais complexo e invasivo, mas obrigatório nos casos de HAP.

A doença pode vir acompanhada de inchaço das pernas e desmaios, como os de Martins, e deve ter terapia medicamentosa iniciada o quanto antes.

Além da medicação, outra recomendação são as terapias diuréticas, anticoagulantes e com oxigênio, até o transplante pulmonar. “Os sintomas da hipertensão arterial pulmonar podem ser bastante intensos, mas o tratamento, apesar de sacrificado e complicado, frequentemente melhora o estado do paciente, diminuindo a falta de ar e prolongando a sua vida”, reforça Fernandes.

Flávia Lima, presidente da Abraf, reforça que a HAP é uma doença crônica, rara, sem cura e progressiva, que afeta muito a qualidade de vida dos pacientes.” É preciso que o tratamento adequado, com terapia combinada (dupla e tripla), chegue aos pacientes. O protocolo do Ministério da Saúde é um grande avanço, mas para que melhore a vida das pessoas, o tratamento precisa sair do papel e ser realidade em todo o país”, diz Lima.

A entidade tem monitorado a implementação do PCDT nos Estados e no Distrito Federal. Pelo levantamento, até agora, o protocolo foi implementado somente em 11 das 27 unidades federativas do Brasil.

“A maior parte dos estados sequer regulamentou o documento, o que seria um primeiro passo para que o tratamento chegue a quem precisa. Existe uma discrepância entre o que prevê o protocolo federal e o que acontece na vida real”, aponta a presidente.

A Abraf tem um canal de atendimento gratuito, chamado de Central do Pulmão, em que pacientes e familiares podem buscar orientações e informações sobre direitos, garantias sociais, acesso a centros de referência e a tratamento. Mais informações podem ser encontradas na página da associação.

DANIELLE CASTRO / Folhapress

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