SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Prefeitura de São Paulo mudou a forma de dispensação de fraldas na cidade. O insumo deixou de ser retirado nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde) e o munícipe deve aguardar a entrega pelos Correios em casa.
A mudança faz parte do programa Fralda em Casa que, de acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, atende mais de 44 mil pessoas na capital paulista.
A gestão Ricardo Nunes (MDB) fez contrato de um ano válido até 11 de setembro deste ano com a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos para entrega domiciliar, no valor de mensal de R$ 2.651.895,67. Por 12 meses de serviço, a prefeitura desembolsará R$ 31.822.748,04.
Os Correios são responsáveis pela operação logística do programa, que inclui o recebimento da carga, armazenamento, separação de pedido, geração de etiqueta para envio e entrega na casa do destinatário.
São muitas as reclamações de que o insumo não chega à casa dos pacientes. A reportagem conversou com líderes comunitários e munícipes. O site Reclame Aqui também reúne queixas.
Em nota, a assessoria de imprensa dos Correios afirmou que o programa tem 95% de eficiência.
Anderson Dimas Pereira Lopes, coordenador do Movimento Popular de Saúde do MBoi Mirim, na zona sul, disse que há problemas na entrega das fraldas, principalmente nas comunidades. Ele é conselheiro gestor de algumas unidades na região, entre elas, da UBS Vila das Belezas, que atende as comunidades do Jardim Casablanca e Jardim Monte Azul.
“Quando as pessoas recebem cartas e moram em comunidades, geralmente elas são colocadas em uma caixa de correio coletivo na beira da rua principal. Se os Correios não entram nas vielas e nos escadões dentro da comunidade, o que eles vão fazer com um monte de pacotes de fraldas? Pelo menos 50% da população que precisa das fraldas não está recebendo”, relata Dimas.
“Propusemos para as supervisões técnicas da região e Coordenadoria Regional de Saúde Sul que as pessoas optassem por receber as fraldas pelo correio, quem quiser, ou retirar na UBS”, afirma. Nenhuma solução foi apresentada.
Dimas afirmou que há dificuldade de diálogo com a gestão do prefeito Ricardo Nunes. “Nós tivemos várias dificuldades. Eles são truculentos e não ouvem os conselhos gestores. Nós fazemos as propostas, mas as coisas sempre vêm de cima para baixo.”
“A gestão do Ricardo Nunes errou em não ter ouvido os conselhos gestores das UBS. Conselho gestor no equipamento de saúde ao contrário de outros conselhos não é consultivo, mas deliberativo. O governo teria que ter ouvido o controle social que é o que representa a população usuária”, reforça Dimas.
A aeroviária Silmara Domingos, 61, estava tentando receber as fraldas para a mãe acamada, Santa Zaffarani Domingos, 92, desde novembro de 2023.
A saga da família para conseguir os insumos começou na UBS Conjunto do Ipesp, no bairro Leonor Mendes de Barros (zona norte).
“Em novembro, começou a minha correria. Minha mãe não recebeu as fraldas e a prefeitura não entrega fralda retroativa. O posto disse que faltou a visita domiciliar. Eu a levei até a UBS para a consulta. Minha mãe foi atendida, mas tive que percorrer o caminho das pedras. Liga pra lá, liga pra cá, não é aqui, a gente não sabe… Eu achei a Coordenadoria Regional de Saúde Norte e me disseram para ir na UBS. Lá me deram 104 unidades, mas a minha mãe usa 120. É como posso te ajudar, me disseram”, relata a munícipe.
A paciente Santa Zaffarani mudou de casa e de UBS. A referência passou a ser a UBS Wamberto Dias da Costa, no Jardim Tremembé (zona norte). Em dezembro, Silmara Domingos foi ao acolhimento na nova unidade, atualizou os dados de sua mãe, conversou com a enfermeira e agendou outra visita domiciliar.
Com a visita feita e a documentação atualizada, ficou acertado que, em janeiro, as 120 fraldas seriam entregues pelos Correios no novo endereço, o que ocorreu no dia 30, após contato da reportagem com os Correios e a Secretaria da Saúde.
Na opinião de Mário Scheffer, professor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da USP, retirar das UBS a dispensação das fraldas é um grande erro de gestão.
“Idosos, pacientes crônicos ou crianças com deficiência que têm essa necessidade devem ser assistidos pela atenção primária, pela UBS ou estratégia saúde da família. A ida do paciente ou familiar a UBS é uma forma de manter o vínculo de acompanhamento pelo serviço de saúde”, afirma Scheffer.
“A entrega pelos Correios não pode significar a perda de contato com a atenção primária. O cadastro do paciente garante o monitoramento e a continuidade do cuidado, incluindo a intervenção do serviço para que o paciente que não recebeu o insumo, receba aquilo que tem direito e necessita”, conclui Mário Scheffer.
Para o médico sanitarista Walter Cintra, professor da Eaesp (Escola de Administração de Empresas de São Paulo) da FGV e membro do FGVsaúde, é conveniente o paciente receber o insumo em casa, mas o serviço precisa funcionar.
“Em tese, é uma situação interessante o paciente receber a fralda em casa. Evita ter que se deslocar até unidade só para retirar. Mas tem que funcionar. E precisaria haver um tipo de suporte ao cidadão quando essa entrega não se realiza, uma medida rápida a ser tomada”, afirma Cintra .
“Qual é o canal que o paciente ou a família pode usar, junto aos Correios ou à secretaria? Esse serviço está muito mal estruturado. Se o cidadão não consegue receber e nem ter um canal de comunicação, está sendo negado um serviço ao qual ele tem direito. A questão é: a prefeitura escolheu um sistema para entrega que não funciona. Então, qual é a providência e o canal de comunicação?”, questiona o especialista.
Masaki Fusita, 74, do Jardim São Jorge, na zona oeste, está acamado. Ele recebeu as fraldas pelos Correios em outubro e no final de dezembro, segundo sua irmã Mitsuko Fujita, 76. Até a publicação desta reportagem, a remessa de janeiro não havia chegado.
A dona de casa, que vive da venda de salgados caseiros e da ajuda de um filho, foi ao posto de saúde de referência em busca de informação. Saiu orientada a aguardar a entrega.
A Secretaria Municipal da Saúde dispensa até 120 fraldas por mês a pessoas a partir de três anos de idade que tenham incontinência urinária ou fecal permanente. Têm direito os acamados ou com mobilidade reduzida que atendem aos critérios de inclusão.
Os usuários que necessitam do insumo podem comparecer a UBS de referência com o RG, CPF e o Cartão SUS para atualização do cadastro.
O QUE DIZ A PREFEITURA?
Sobre a UBS Vila das Belezas, 89 pacientes ativos estão inscritos na unidade. Até o momento, foram registrados 288 envios de fraldas para os inscritos 260 exitosos. Os demais estão em fase de entrega ou foram devolvidos ao centro de distribuição por motivos cadastrais.
Em relação ao caso citado da UBS Jardim São Jorge, o paciente em questão estava com o cadastro inativo até 5 dezembro de 2023. A secretaria disse que os insumos foram enviados à residência. No entanto, em janeiro, foi identificado um erro no número do CEP, mas a unidade realizou o envio emergencial das fraldas para o paciente. A situação está regularizada.
A pasta não comentou os demais apontamentos.
O QUE DIZEM OS CORREIOS?
Em nota, a assessoria de imprensa dos Correios afirmou que o programa tem 95% de eficiência de entrega. Em janeiro, das mais de 44 mil entregas do programa Fralda em Casa na cidade de São Paulo, 42 mil foram realizadas com sucesso. As não entregues tinham destinatário ausente ou erros de cadastro no endereço. Nesses casos as fraldas ficam disponíveis por sete dias para retirada na agência mais próxima do endereço cadastrado junto à prefeitura.
Sobre os casos citados, o Correio negou problemas na entrega e afirmou que as denúncias não procedem. “No Jardim São Jorge, em janeiro, apenas 11 entregas não foram realizadas, por motivos como destinatário ausente ou erros de cadastro”, diz parte do texto enviado à reportagem.
PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress