BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Diante da ameaça de deputados e senadores de enterrar a votação do pacote de corte de gastos neste ano, o governo deu início a uma força-tarefa no Congresso Nacional nesta segunda-feira (9) e prometeu liberar emendas parlamentares com a edição de portarias.
No meio da tarde, quando a leitura do projeto que regulamenta a reforma tributária já tinha sido adiada, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e com líderes do governo no Palácio do Planalto.
Segundo relatos, tanto Lira como Pacheco disseram ao presidente que o clima no Congresso ficou ainda pior diante da decisão desta segunda do ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), que manteve as regras mais duras para o pagamento das emendas.
Lula pediu um esforço dos presidentes para garantir a votação do pacote neste ano, mas ouviu, como resposta, que o Palácio do Planalto precisa fazer gestos para melhorar a relação com deputados federais e senadores.
Da parte do governo, foram apresentadas duas soluções patrocinadas pelo ministro da AGU (Advocacia-Geral da União), Jorge Messias, para aplacar os ânimos dos parlamentares e permitir o pagamento de cerca de R$ 6,4 bilhões em emendas.
A primeira é uma portaria da Advocacia-Geral da União orientando os ministérios a respeito da decisão de Dino, de forma a acelerar a execução de emendas de comissão.
Em outra frente, há uma portaria dos ministérios da Fazenda, do Planejamento e de Relações Institucionais sobre a liberação desses recursos.
Uma minuta do texto já começou a circular na tarde desta segunda entre parlamentares, e os presidentes das Casas e líderes que estiveram na reunião com Lula levaram os ajustes necessários para o texto.
De acordo com auxiliares palacianos, a portaria deve ser publicada nesta terça-feira (10). O texto prevê a liberação imediata das emendas Pix, com apresentação dos planos de trabalho com prazo maior.
Logo após a reunião entre Lula, Lira e Pacheco, o número dois do Ministério da Fazenda, Dario Durigan, e o ministro do Desenvolvimento Social, Wellington Dias, foram à Câmara dos Deputados tratar do pacote de gastos com a bancada do PT.
Durigan afirmou estar confiante de que o pacote fiscal ainda será votado pelo Congresso até o fim da semana que vem -a última antes do recesso parlamentar.
O número dois de Haddad também disse que o governo “está trabalhando para esclarecer” a questão das emendas. Segundo ele, a AGU vai “fortalecer a interpretação que tem sido dada” para que o Tesouro possa pagar o dinheiro bloqueado.
“A AGU vai fazer uma interpretação com força executória do que de fato se extrai da decisão do Supremo. E a secretaria do Tesouro, como executor, e outros órgãos do governo vão executar na linha do que foi decidido e interpretado pela AGU”, disse Durigan.
“Tem muitos temas importantes, estamos com pouco prazo, então toda a mobilização da equipe econômica, do ministro [Fernando] Haddad [Fazenda], minha, é vir aqui justificar e fazer com que as coisas avancem para que a gente feche o ano no melhor cenário possível”, acrescentou.
O ministro Wellington Dias também foi ao Congresso participar da reunião com o PT. “O governo tratou de apresentar proposta para urgência, mas sabe que o parlamento é que decide sobre a sua pauta. É através do diálogo que vamos ultrapassar eventuais divergências”, afirmou.
De acordo com relatos de três participantes da reunião, deputados petistas criticaram, sobretudo, mudanças propostas pelo pacote fiscal em relação ao BPC (Benefício de Prestação Continuada). Nas palavras de um parlamentar, se não houver alterações nesse ponto, a bancada do PT terá dificuldades em garantir votos para que o pacote seja aprovado.
Após o encontro, o líder do PT, Odair Cunha (MG), disse que não “há indicação alguma de mudança” ao texto por parte da Fazenda, mas que representantes da pasta “recolheram nossas propostas”.
“A linha geral da bancada é que haja a preservação de direitos e que desvios sejam combatidos. Sempre é possível haver melhoras no texto. Tivemos oportunidade de apresentar preocupações que identificamos, mais precisamente em relação ao BPC”, disse Cunha.
Ainda de acordo com o líder do PT, eventuais mudanças deverão vir nos pareceres elaborados por deputados. Ele diz esperar que esses ajustes tenham “anuência do governo”.
Há uma expectativa de que Lira designe os relatores das propostas nos próximos dias, para que esses deputados já possam trabalhar os textos. De acordo com relatos, foram lembrados nomes como Rubens Pereira Júnior (PT-MA), Mauro Benevides (PDT-CE) e Doutor Luizinho (PP-RJ).
Cunha disse ainda que os representantes da Fazenda deverão se reunir com outras bancadas para tratar do texto, que há disposição do governo pelo diálogo e que trabalha com o cenário da votação do pacote até o início do recesso -mas não indicou data para que isso ocorra.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) afirmou que o governo vai agir para contornar o imbróglio das emendas. Ele afirmou que o Executivo está trabalhando no diálogo com o Legislativo para “fazer valer a sanção da lei complementar”. “O governo vai trabalhar para executar, na prática, aquilo que está na lei complementar sancionada pelo presidente Lula.”
Já Haddad foi questionado, na saída do Ministério da Fazenda, sobre a possibilidade de o governo rever o calendário previsto para o pacote e para outras medidas econômicas. Segundo ele, o encaminhamento pactuado por Lula com Lira e Pacheco “atende aos anseios dos parlamentares”.
“O que nós precisamos compreender é que temos uma chance de terminar o ano com coisas importantes. Firmamos o acordo com a União Europeia, temos condição de votar a reforma tributária depois de 40 anos de espera”, disse.
O chefe da equipe econômica defendeu a agenda de medidas voltadas para equilibrar as contas públicas e pediu coordenação de todos os Poderes para que o país possa superar o clima de desconfiança.
Antes da conversa com Lula, Lira afirmou aos líderes da Câmara que não trabalharia contra o governo e colocaria o pacote de gastos em votação, se o Executivo pedisse. O presidente também sinalizou que deverá designar os relatores dos projetos nos próximos dias. Deputados avaliam, no entanto, que hoje não há votos necessários para aprovação.
O líder do União Brasil, deputado federal Elmar Nascimento (BA), afirmou que o clima “é muito ruim”. Questionado sobre a aprovação do pacote fiscal, Elmar respondeu que, nesta semana, a Câmara só deve votar projetos relacionados à segurança pública.
“Essa semana não [vota o pacote de gastos]. Essa semana é só segurança pública. Talvez a tributária, se chegar [do Senado]”, disse. “O que tem é muita gente [parlamentar] defendendo transformar tudo [emendas] em individual”, disse a jornalistas durante a tarde.
No Senado, a reunião da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) foi encerrada sem a leitura do projeto de regulamentação da reforma tributária, em um claro sinal de retaliação ao governo. O sistema estava aberto desde o começo do dia para que os senadores registrassem presença remotamente, mas só seis (três da base e três da oposição) haviam feito isso às 16h.
O vice-presidente da comissão, o oposicionista Marcos Rogério (PL-RO), alegou falta de quórum e nem abriu a reunião. O relator do projeto de regulamentação, senador Eduardo Braga (MDB-AM), chegou poucos minutos depois e ligou para o presidente do Senado para tentar entender a situação.
Braga também alfinetou o governo, dizendo que os senadores da base deveriam ter marcado presença para acompanhar a leitura. “Eu disse ao Jaques Wagner que a base do governo tem que deixar a presença. O presidente Rodrigo Pacheco tomou ciência junto comigo, estou aguardando as providências”, afirmou à imprensa.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), minimizou o adiamento da reforma tributária e disse que a Câmara ainda pode votar o projeto nesta semana, caso o Senado aprove sem muitas mudanças. O Planalto está confiante de que o parecer de Braga será lido na CCJ nesta terça.
MARIANNA HOLANDA, THAÍSA OLIVEIRA, VICTORIA AZEVEDO, CATIA SEABRA E NATHALIA GARCIA / Folhapress