RIO DE JANEIRO, RJ, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No WhatsApp, grupos formados por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) encaminham aos seus contatos um vídeo de três minutos, detalhando a biografia do deputado federal Alexandre Ramagem (PL), candidato bolsonarista à Prefeitura do Rio de Janeiro, que tem 11% das intenções de voto, segundo a pesquisa Datafolha.
“Contra a malandragem vote Ramagem”, diz a legenda do vídeo, num recado a Eduardo Paes (PSD), que tenta se reeleger. A imagem do ex-delegado, conservador e cristão contrasta com o perfil de Paes, um político descolado, amante das rodas de samba, que se veste como um malandro e emula um carioca autêntico.
O atual prefeito tem 59% das intenções de voto e venceria a eleição no primeiro turno Tarcísio Motta (PSOL) tem 6%. Nesse cenário, a estratégia de Ramagem mira as pautas de comportamento, numa tentativa de forçar um segundo turno.
“Deixa a alegria pra lá/ a alegria voltou/ o cara é responsa”, diz o refrão do jingle de Paes, em ritmo de samba. Sua relação com o gênero musical é antiga e conhecida pela população.
No atual mandato, Paes se tornou presença frequente em alguns pontos da boemia carioca, como o Samba do Armazém, onde esteve há dois meses, entoando a canção “Estrela de Madureira”, conhecida na voz de Roberto Ribeiro. No carnaval passado, o prefeito chegou a requebrar na Sapucaí ao lado do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luís Roberto Barroso.
Um antigo assessor de comunicação do prefeito diz que essa imagem de mais carioca dos cariocas foi construída ao longo de seus mandatos anteriores, de 2009 a 2016. Paes teria percebido que poderia parar de esconder as suas imperfeições, aproveitando a tendência autoirônica do carioca.
Em suma, o político, conta ele, humanizou a sua imagem ao conciliar a figura boêmia ao trabalhador que dialoga com a sociedade, usando a internet. As origens sociais do prefeito, no entanto, não parecem ser as de um grande bamba. Nascido no Jardim Botânico, Paes se mudou, ainda jovem, para São Conrado, ambos bairros da zona sul carioca.
Engomadinho, chegou a participar de novelas da Globo atuando como figurante, disse ele, numa entrevista à rádio FM O Dia. Formou-se em direito pela PUC-Rio, o mesmo curso e a mesma universidade de Ramagem, seu atual adversário. Sua informalidade, contudo, renderia-lhe algumas gafes.
Em 2016, Paes disse a uma mulher que ela iria “trepar muito” no imóvel que acabara de receber da prefeitura. Quatro anos mais tarde, tornou-se alvo do então prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), durante a campanha.
Crivella, bispo licenciado da Igreja Universal, chamou o seu adversário de Zé Pelintra e o criticou por repassar recursos para o Carnaval. Agora, esses ataques retornaram já na pré-campanha de Ramagem, com o governador Claudio Castro (PL) dizendo, em um evento, que os cariocas deveriam escolher entre “quem fica nos botecos por aí ou quem é um delegado, que pode dar ordem para o Rio de Janeiro.”
Em um dos primeiros vídeos da campanha, Ramagem assumiu o microfone para atacar Paes. “Onde tem malandragem demais tem saúde de menos, educação de menos. Eles acham que as pessoas decentes são otárias e manés. Vamos mostrar que, desta vez, nós, os otários, vamos vencer”, disse ele.
O verde e amarelo que marcou os anos de Bolsonaro como presidente está onipresente nas redes de Ramagem, onde ele publica fotos com a família. Ramagem chefiou a segurança do ex-presidente, foi assessor da secretaria do Governo e foi nomeado diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Sob a sua gestão, a Polícia Federal deflagrou uma operação contra a chamada Abin Paralela, esquema ilegal que teria espionado 22 pessoas. Aliados avaliam que sua imagem é demasiadamente sisuda. Ao mesmo tempo, afirmam que uma mudança em seu perfil pode causar certo estranhamento.
Entre malandros e manés, a principal aposta da campanha é a vice da chapa, deputada estadual Índia Armelau (PL), que faz “reacts” dos conteúdos de seus adversários vídeos em que reage à fala de seus oponentes, abusando da fala chiada, típica do sotaque carioca.
Em contraste com Ramagem, Armelau é dada a exibicionismos. Numa agenda de campanha, ela desceu num escorregador inflável, para chamar a atenção das câmeras e dos telefones celulares.
Nas últimas semanas, integrantes da campanha de Paes buscam mostrar o prefeito em outras ocasiões, que não apenas em momentos de lazer. Tanto que, nos debates realizados até aqui, o candidato tem usado óculos diante das câmeras, acessório incomum em seus looks.
Do mesmo modo, os administradores de suas redes sociais publicam cenas em que Paes está em seu gabinete trabalhando. Pesquisador da história cultural do Rio de Janeiro, Antonio Herculano Lopes afirma que o arquétipo do malandro ajudou a definir, no século 20, a identidade cultural da cidade.
“Até hoje existe muito preconceito contra os cariocas, porque o surgimento dessa figura se dá num contexto das religiões de matriz africana, com a entidade do Zé Pelintra”, afirma Lopes.
O malandro, ele conta, vivia de pequenos furtos e era adepto da vadiagem, um crime durante o Estado Novo de Getúlio Vargas. Com o tempo, o arquétipo foi incorporado a diversas linguagens artísticas, como o teatro de revista e, sobretudo, o samba.
Na visão de Lopes, a malandragem se nacionalizou por ter sofrido um embranquecimento. “Esse processo de nacionalização faz com que hoje até um candidato como o Paes possa ser essa figura do malandro”, diz ele.
GUSTAVO ZEITEL E ITALO NOGUEIRA / Folhapress