SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A família de Murilo Gabriel Costa Nascimento, 4, de Sumaré (a 118 km de São Paulo), entrou na Justiça para que o governo federal compre o medicamento Elevidys, da Sarepta Therapeutics.
A terapia –indicada para o tratamento de pacientes com distrofia muscular de Duchenne, que provoca a fraqueza progressiva dos músculos- custa mais de R$ 15 milhões e não é comercializada no Brasil.
Em primeira instância, a Justiça deu causa favorável à União. A família recorreu e ganhou. Na quinta-feira (20), a advogada da família, Letícia Novo, disse à reportagem que o governo recorreu.
“É de praxe eles recorrerem. Recorrem, mas não vão ganhar. Vai se manter a decisão do juiz que determinou que a União custeie o Elevidys. Eles têm a expectativa de que vai ser reformada a decisão, mas não vai. Toda vez que a União recorre ela sempre perde. É só um tempinho a mais para o Elevidys estar com o Murilo”, afirma.
Quando a decisão se tornar definitiva, a advogada pretende, ainda, fazer uma petição na Justiça para que a Amil Assistência Médica Internacional S.A. custeie o procedimento.
Aplicado em dose única, o Elevidys foi aprovado em 2023 nos Estados Unidos pela FDA (agência americana reguladora de medicamentos e alimentos) para pacientes de 4 e 5 anos. A autorização foi concedida com base nos ensaios clínicos de fase 1 e 2, que indicaram um aumento da proteína microdistrofina em crianças dessa faixa etária submetidas à terapia.
A farmacêutica Roche Farma Brasil submeteu o pedido de registro à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em outubro de 2023.
Em uma audiência pública ocorrida em abril, na Comissão de Saúde da Câmara, um representante da Anvisa afirmou que o processo de registro seria finalizado neste mês.
À reportagem, o Ministério da Saúde e a Anvisa disseram que a solicitação está em análise de forma prioritária. O objetivo da avaliação é verificar se a relação de benefício e risco para a indicação pretendida está comprovada pelos dados disponíveis.
Segundo a farmacêutica, no Brasil, o pedido de registro regulatório está alinhado com a população do estudo clínico fase 3 – EMBARK, que avalia o tratamento de pacientes com distrofia muscular de Duchenne de 4 a 7 anos -a Anvisa também precisa aprovar a indicação pleiteada.
Após a obtenção do registro, caberá à CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos) aprovar o preço de comercialização. Somente a partir daí se inicia o processo de disponibilização da terapia, em embalagem comercial pelos sites responsáveis, bem como o trâmite de importação.
*Como Murilo descobriu a doença?*
Com 1 ano e 2 meses, Murilo sofreu uma crise convulsiva devido a uma febre. Os médicos iniciaram investigação. Após exames, descobriram que o bebê tinha uma alteração na enzima do fígado. O diagnóstico de distrofia muscular de Duchenne foi revelado oito meses depois.
“Foi desesperador, porque a gente jamais imaginava que ele poderia ter uma doença tão séria assim. A gente nunca tinha nem ouvido falar, não sabia nada dela. Aí você vai para a internet e entende qual é a gravidade da doença. Eu não sabia que ele tinha herdado de mim. Pelo fato de ser mulher não desenvolvo os sintomas da doença. A gente ficou sem chão”, relata a auxiliar administrativa Tamys Mayara da Costa, 30, mãe da criança.
Com a ajuda da internet, os pais do menino chegaram à uma especialista no assunto, em São Paulo – a neurologista Infantil Maria Bernadete Dutra Resende, especialista em doenças neuromusculares e pesquisadora de estudos clínicos para novas medicações para distrofia muscular de Duchenne no Brasil, através da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), ligada ao Ministério da Saúde. Graças a ela, a família soube do Elevidys. A terapia gênica tem o objetivo de controlar e bloquear a evolução degenerativa da doença.
Hoje, além das consultas médicas, Murilo é acompanhado pelo fisioterapeuta e terapeuta ocupacional, e faz uso de corticoides –o único tratamento disponível no SUS (Sistema Único de Saúde).
*O que é distrofia muscular de Duchenne?*
É uma doença genética rara, neurodegenerativa que tem como base a ausência da proteína distrofina. É de herança materna, ligada ao cromossomo X, ou seja, as mutações são transmitidas através da carga genética da mãe. Acomete crianças do sexo masculino.
De acordo com a literatura médica mundial, acomete um a cada 2.500 a 3.200 meninos nascidos vivos. Não há cura. O uso de alguns corticoides é o único tratamento disponível no Brasil.
“A distrofina é codificada por um gene que, até o momento, é o maior já classificado na espécie humana. Ele tem uma função muito importante de estabilidade da membrana que envolve cada célula muscular. Então, a ausência dessa proteína, progressivamente, favorece a instabilidade e a ruptura da membrana celular, e provoca de forma continuada e irreversível a destruição do tecido muscular”, explica a neurologista Infantil.
*A doença leva à morte?*
Sim. As manifestações clínicas da distrofia surgem a partir de três ou quatro anos, quando há uma sucessão de quedas. Há dificuldade para subir escadas, correr e levantar do chão, por exemplo.
“Pela história natural da doença, as crianças entre 10 e até 12 anos perdem a marcha. Depois vêm as contraturas dos membros inferiores e superiores, e deformidades da coluna –onde se desenvolve a escoliose”, explica a especialista.
Segundo a neurologista, associado à piora, há o enfraquecimento da musculatura da respiração e acessória do tórax. Essas crianças, principalmente a partir da segunda década de vida, iniciam um processo de restrição da caixa torácica, o que compromete a qualidade da respiração e culmina com a necessidade de suporte ventilatório através da ventilação não invasiva (equipamento chamado bipap). Inicialmente, é prescrito para o período noturno, quando o processo é mais intenso. Com o tempo, é necessário usar o equipamento também durante o dia.
Outro comprometimento é o da musculatura cardíaca, que pode ocorrer já na primeira década de vida. O controle é feito com o uso de medicamentos cardioprotetores, a partir da segunda década.
“A progressão do acometimento respiratório e cardíaco é um marco que vai determinar a finitude, a mortalidade desses indivíduos, que ocorre por volta de 18 a 20 anos. Na atualidade, com a corticoterapia e os cuidados clínicos adequados, a sobrevida tem aumentado até os 30, 40 anos”, diz a médica.
No dia 21 de março, foi aberta a campanha “Salve o Mumu”, na internet. Até a quinta-feira (20), havia sido arrecadado pouco mais de R$ 96 mil. As informações estão no site salveomumu.com.br.
PATRÍCIA PASQUINI / Folhapress