HELSINQUE, FINLÂNDIA (FOLHAPRESS) – Ele recebeu o título de país mais feliz do mundo pela sétima vez consecutiva pelo ranking de felicidade da ONU, WHR (World Happiness Report), na semana passada. Antes, em 2023, foi eleito o terceiro país com a maior equidade de gênero pelo Fórum Econômico Mundial.
Ainda assim, a Finlândia enfrenta grandes desafios para combater a violência doméstica, que mantém números considerados altos mesmo diante de crescente investimento em políticas públicas para diminui-los.
Dados mais recentes do governo finlandês mostram que a violência doméstica cresceu 21% entre 2021 e 2022. Além disso, o país não conseguiu avançar na luta contra o crime ao longo de dez anos. Se em 2012, foram contabilizadas 11,4 mil vítimas dele, entre crianças e adultos, em 2022 a cifra cresceu para cerca de 11,8 mil.
Estatísticas do governo indicam que mulheres com mais de 18 anos são as principais vítimas. Houve registro de 6.931 vítimas mulheres em 2012 e 6.732 dez anos depois, uma diminuição de 2,8%.
Em 2022, elas representavam 74% das vítimas maiores de idade, enquanto meninas eram 52% daqueles com menos de 18 anos. Em 10 anos, o sexo feminino representou cerca de 70% do total.
A Finlândia segue a tendência de alta violência física e sexual contra mulheres observada em países nórdicos, que têm média superior de casos do tipo do que o restante da Europa. Pesquisadores batizaram o fenômeno como “paradoxo nórdico”, uma vez que esses são os mesmos países que têm os melhores índices de equidade de gênero.
Um estudo publicado em 2019 com o objetivo de confirmar o paradoxo utilizando dados de uma pesquisa conduzida pela Agência Europeia para Direitos Fundamentais mostrou que a prevalência média de violência física e sexual ao longo da vida de um indivíduo nos Estados-membros da União Europeia (UE) era de cerca de 23%, enquanto os países nórdicos tinham taxa de, em média, 32%.
Na Finlândia, esse número chegava a cerca de 30%. Para efeito de comparação, a média na Espanha é de 13%.
Os pesquisadores afirmaram no trabalho que as razões que levam ao “paradoxo nórdico” não são claras.
Para a ministra de Seguridade Social, Sanni Grahn-Laasonen, a violência doméstica cometida por parceiros é um dos grandes problemas do país quando o assunto é gênero. A chefe da pasta afirma que, entre as medidas tomadas pelo governo para combatê-lo, as mais importantes dizem respeito à conscientização e ao aumento de recursos para políticas públicas relacionadas a ele, como a oferta de abrigos para vítimas de violência.
“Essa é uma prioridade do nosso governo”, diz Grahn-Laasonen. Uma mudança que a ministra observa nos últimos tempos é que mulheres vítimas têm tido “coragem” de pedir ajuda atualmente, o que tem tornado a questão mais visível no país.
Por ocorrer em espaços privados, afirma a ministra, o problema se torna mais difícil de ser combatido.
“Quando nós tentamos torná-lo mais visível, aumentar a consciência [quanto à existência dele], as mulheres sabem que não estão sozinhas, que isso também ocorre com outras mulheres, e que há ajuda disponível.”
No final de 2022, o país tinha 29 abrigos para vítimas de violência em funcionamento, nos quais eram disponibilizadas 228 vagas tanto para pessoas acompanhadas por suas famílias quanto sozinhas. Em 2022, os abrigos receberam 5.163 vítimas, o que representa um crescimento de 4% se comparado ao número do ano anterior.
As vítimas que se hospedaram nos abrigos ficaram neles por, em média, 17 dias. Aqueles que ficaram 31 dias ou mais representam 18% do total de pessoas atendidas.
Os principais tipos de violência relatados são a física, ameaças e abuso emocional. Entre os adultos, os maiores responsáveis pelos crimes são parceiros ou ex-parceiros. Em 2022, 90% dos agressores eram homens e 10%, mulheres.
Segundo Katri Viinikka, embaixadora para equidade de gênero do governo finlandês, além dos esforços feitos internamente, tratados internacionais como a Convenção de Istambul mantêm a nação comprometida com o problema.
“Isso é um grande ímpeto para nós sermos mais sistemáticos para lidar com a violência doméstica”, diz.
O documento a que ela se refere pede que os Estados participantes protejam mulheres contra todas as formas de violência, tenham um quadro abrangente de políticas para proteção e assistência das vítimas e promovam cooperação internacional para a eliminação dos crimes.
Em seu plano de ação, a Finlândia determinou 36 ações para serem implementadas até 2025, dentre elas, formar profissionais do ensino para a instrução sobre educação sexual e combate à violência de gênero; aprimorar o treinamento oferecido para os profissionais de saúde e assistência social sobre o problema; encorajar instituições de ensino superior a adicionar a educação sexual em seu currículo; e desenvolver uma rede de abrigos com atenção ao acesso regional aos serviços e grupos vulneráveis.
Nenhuma das medidas tem como objetivo direto a diminuição da violência doméstica e de gênero, e sim são metas intermediárias que resultariam na redução dos crimes.
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VICTORIA DAMASCENO / Folhapress