Pais são minoria entre seguidores de canais destinados aos pais

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – No último sábado, 5 de agosto, aconteceu um encontro chamado Pai Summit na zona sul de São Paulo. Ao longo da programação, especialistas falaram, entre outros temas, sobre a importância para os filhos de uma paternidade mais ativa.

A certa altura, o mestre de cerimônias perguntou quantos homens estavam no evento porque tinham sido levados pelas companheiras. A maioria levantou a mão. Quem lembra esse momento é o educador Humberto Baltar, 42, um dos palestrantes do Pai Summit.

O evento paulistano, com mais atenção das mulheres a temas destinados aos pais, está longe de ser um ponto isolado. Canais nas redes sociais voltados para eles, com vídeos, textos e outros tipos de conteúdo, são seguidos majoritariamente por elas.

“Para a mulher, não é um problema buscar ajuda; para o homem, muitas vezes é. Ainda são frequentes as críticas ao homem que se vulnerabiliza. E, na verdade, quem mais cresce é quem se revela vulnerável de maneira consciente”, diz Baltar, do coletivo Pais Pretos Presentes.

Criado há cinco anos, o projeto tem pouco mais de 50 mil seguidores no Instagram, considerado pelo educador o carro-chefe para divulgação do seu conteúdo. Quase 70% do público que acompanha o canal é formado por mulheres.

“Vejo muita gente falando em masculinidade tóxica. Mas penso nessa realidade mais como uma construção cultural. As meninas são ensinadas desde cedo para o cuidado, para o senso coletivo. Os meninos, por outro lado, aprendem que a auto-afirmação vem com a agressividade”, afirma o pai de Apolo, de 4 anos.

Baltar lembra uma situação peculiar vivida por uma empresa que o convidou para dar uma palestra. Algum tempo antes do evento, a companhia havia aumentado a licença-paternidade de 20 para 40 dias, sem comprometer a remuneração –a lei no Brasil determina apenas cinco dias como obrigatórios.

Curiosamente, a maior parte dos pais voltou ao trabalho antes do prazo final a que tinham direito. Ouvidos numa pesquisa, eles disseram, por exemplo, que não sabiam como dar banho no bebê. “Para fugir desse lugar de insegurança, esses pais preferiram retomar logo as atividades na empresa”, conta.

Assim como o Pais Pretos Presentes, o canal Paizinho, Vírgula! preconiza uma participação mais efetiva dos pais no dia a dia dos filhos. Criada pelo educador e psicanalista Thiago Queiroz, a iniciativa tem 252 mil seguidores no Instagram e 108 mil no YouTube.

De cada cinco seguidores do Paizinho, Vírgula! no Instagram, quatro são mulheres. No YouTube, a disparidade é um pouco menor: a participação feminina alcança 70%.

“Historicamente, as tarefas de cuidado ficam com a mãe. Nós sabemos que ainda hoje é muito assim. Então essa necessidade de se aprimorar, de procurar conteúdos recai sobre elas”, diz Queiroz, pai de quatro filhos: Dante, 10, Gael, 8, Maya, 4, e Cora, 1.

“A mulher não só se encarrega de se informar sobre a educação dos filhos como também assume a responsabilidade de fazer uma curadoria para o seu parceiro na tentativa de que ele embarque nessa ideia de sinergia”, afirma o pai de 41 anos.

Queiroz conta que as mães o procuram com frequência dizendo que os maridos penam para lidar com as crianças e não seguem as recomendações delas para melhorar a relação de pai e filho. Feita essa introdução, essas mães pedem a ele dicas de textos ou vídeos sobre determinado tema, como o hábito de gritar com as crianças.

“Estou há dez anos fazendo esse tipo de conteúdo. O fato de terem surgido nesse período tantos outros pais falando sobre isso nas redes sociais é uma evidência de que há uma mudança. Mas ainda encontro homens que falam: ‘Minha esposa me manda todos os seus vídeos, mas eu trabalho muito e não consigo ver’.”

Rever a ideia convencional de masculinidade é indispensável para quem quer se tornar um bom pai, enfatizam esses influencers ligados à parentalidade.

“Fomos ensinados a ser homem de uma forma incompatível com o papel de pai que buscamos hoje. Fomos criados para não falar sobre nossos sentimentos. Como vou ajudar meus filhos a conversar sobre emoções se eu nunca falei sobre isso?”, questiona Queiroz.

Para ele, o maior desafio dos pais hoje é vencer o ego, “que atrapalha quando tentamos nos tornar mais sensíveis e empáticos”, e cita a valorização excessiva da carreira profissional, mais comum entre eles do que entre elas.

Segundo outro educador, Tiago Koch, do canal Homem Paterno, um desafio e tanto é enfrentar a cultura machista. “Justamente por nunca termos ocupado esse lugar de cuidado com os filhos, existe uma desconfiança grande, tanto por parte dos outros homens, como das mulheres.”

Lançado há seis anos, o Homem Paterno no Instagram tem 190 mil seguidores, dos quais 63% são mulheres. “Anos atrás, a participação delas passava de 80%, o que indica uma transformação. Os homens estão se sentindo mais incomodados ou estão sendo mais cutucados pelas mulheres”, afirma o pai de Iara, 7, e Nalu, 2. “Mas ainda é um movimento lento.”

Tiago Koch, criador do Homem Paterno, com Iara, a filha mais velha Arquivo Pessoal **** As “cutucadas” a que ele se refere fazem parte do empenho de curadoria das mulheres, que acompanham o canal e enviam para os maridos aquilo que consideram mais pertinente.

O nascimento da primeira filha “mostrou minha falta de repertório sobre o puerpério. Estava vivenciando situações que nem sabia que existiam. E se eu não consigo nomeá-las ou reconhecê-las, não vou saber como lidar com elas”, diz Koch.

Para este domingo, Dia dos Pais, ele deixa uma provocação: “Antes da escalada, o alpinista estuda a montanha, avalia os melhores caminhos. Antes do vestibular, o aluno se prepara. E daí por diante. Por que não buscamos conhecimento quando nos tornamos pais?”

NAIEF HADDAD / Folhapress

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