Panorama da Arte Brasileira responde a Brasil em chamas com obras ambiciosas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Órgãos governamentais de fiscalização do meio ambiente são autorizados pela lei a queimar tratores usados por garimpeiros ilegais em suas atividades. A lataria retorcida, com as marcas escurecidas do fogo, pipoca em trechos da floresta amazônica, como na região de Itaituba, no interior do Pará.

De lá, Frederico Filippi resgatou pedaços destas máquinas de destruição que agora expõe no Panorama da Arte Brasileira, a principal mostra de arte contemporânea do país depois da Bienal de São Paulo. Em sua obra, Filippi dispôs as ruínas de ferro sobre uma estrutura de metal que replica o formato das grelhas usadas por comunidades indígenas para assar a carne de animais caçados.

“É uma leitura do que seria uma canibalização de nós mesmos hoje, do que a gente quer como civilização”, diz o artista, sobre a obra, resultado de suas incursões pela região.

O fogo que carboniza o trator e assa a carne é o elemento central deste panorama, intitulado “1000º”, ou mil graus. A exposição, um recorte da produção contemporânea nacional, chega à 38ª edição a partir deste sábado e ocupa, pela primeira vez, o prédio do Museu de Arte Contemporânea da USP, o MAC.

O Museu de Arte Moderna de São Paulo, onde a mostra tradicionalmente acontece, está fechado devido às obras de restauração da marquise do parque Ibirapuera. A mudança de cenário trouxe desafios aos organizadores —que precisaram adaptar às pressas o plano expositivo para o novo local— e deve elevar a temperatura da programação morna do MAC, além de trazer público às suas galerias pouco visitadas.

Assim como na obra de Filippi, um ar de violência transparece em muitos dos 130 trabalhos expostos, dos quais 79 são inéditos. A linguagem comum do apocalipse se manifesta de diversas formas —está nas máscaras de ferro pontiagudas de Jayme Figura, no rapaz andando de moto num círculo de fogo na fotografia de Melissa de Oliveira, no pingo de água que evapora ao tocar a chapa quentíssima da instalação de Antonio Tarsis, na cara de dragão da imensa pintura de Paulo Nimer Pjota.

É uma exposição de cores quentes, com ferro retorcido e materiais pontiagudos. Sobra pouco espaço para a placidez quando tudo está em chamas. “É um panorama com grandes imagens que prescindem de guia, de mediação, de ter etiqueta [explicando as obras] e ter que dizer o que é cada coisa”, afirma Germano Dushá, um dos organizadores, acrescentando que o fogo ao qual o título da mostra alude não é um elemento da cultura, mas sim da natureza, portanto comum a todos.

Dushá argumenta que um dos pontos fortes deste panorama são as “matrizes culturais” e a “diversidade de Brasil” representadas. São 34 artistas de 16 estados do país, nascidos entre as décadas de 1940 e os anos 2000 —todos estão vivos e atuantes, exceto o baiano Jayme Figura, que morreu no ano passado.

Embora o Panorama da Arte Brasileira já estivesse preocupado, nas últimas edições, em trazer nomes de fora da bolha da região Sudeste, desta vez era praticamente obrigatório ampliar o escopo o máximo possível, para responder à pauta da inclusão vigente na cultura e cara ao circuito de galerias e museus com o qual a exposição dialoga.

Além disso, havia a intenção de montar uma exposição que “possa se conectar com diferentes gerações”, diz Ariana Nuala, outra das organizadoras, ao se referir às diferentes idades dos artistas. “Acho que os jovens só falam com os jovens, os adultos só com os adultos, os velhos com os velhos. O que que falta? É muito legal saber que todo mundo pode se comunicar com práticas [artísticas] distintas.”

A mão da curadoria fica clara, também, na dimensão das obras comissionadas. Com dinheiro e tempo, os artistas convidados produziram trabalhos superlativos, ambiciosos. Por exemplo, Maria Lira Marques mostra um conjunto de pinturas feitas em pedras bem maiores do que as rochas que habitualmente usa como suporte, e Ana Clara Tito, nome em ascensão, ampliou e deixou mais complexas as suas esculturas de argamassa e vergalhão, que nos lembram o quanto é duro viver na cidade.

Mas poucas obras são tão grandiosas quanto a instalação de Adriano Amaral, localizada próximo à entrada, um octógono no centro do qual um pistão mergulha, a partir de cima, quatro crânios num tanque cheio de silicone. Ao subirem de volta, as caveiras, cobertas por um véu do mesmo material, criam uma pequena cascata de silicone.

Por mais que o trabalho tenha um pé no macabro, ele carrega “uma conotação espiritual, do batismo”, afirma o artista. Amaral também expõe alguns oratórios feitos de silicone, representando um setor da mostra no qual as obras tendem ao mágico e ao etéreo e que inclui também o pintor Lucas Arruda, presente com uma sala só sua.

Questionada sobre quais foram os desafios em pensar uma exposição que se propõe a ser um panorama da arte produzida no Brasil, Nuala diz que era preciso “desmontar a pegadinha do título”, isto é, não se obrigar a montar uma mostra enciclopédica, tentar ir para outro lugar, “não o da totalidade”.

Isso significa que ela e os outros organizadores —Germano Dushá e Thiago de Paula Souza— não foram “atrás de obras”, em suas palavras, mas sim em busca de artistas que quisessem elaborar com eles as interpretações possíveis do calor absoluto do título da mostra.

Independente das teorias que norteiam a exposição, o Panorama da Arte Brasileira talvez seja lembrado por evitar ser panfletário —não há obras educativas nem faixas com slogans de protesto, dois tipo de trabalho aos quais os museus e as galerias têm se curvado. A mostra vai no cerne das pautas contemporâneas sem ser didática nem perder a fervura.

38º PANORAMA DA ARTE BRASILEITA – 1000º

– Quando De 5 de outubro a 26 de janeiro de 2025. De terça a domingo, das 10h às 21h

– Onde MAC USP – av. Pedro Álvares Cabral, 1301, São Paulo

– Preço Grátis

– Link: https://mam.org.br/exposicao/38o-panorama-da-arte-brasileira-mil-graus/

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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