SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em episódio que mantém o Oriente Médio em ebulição, o Paquistão atacou alvos no Irã, nesta quinta-feira (18), em retaliação aos bombardeios inéditos coordenados pelo regime teocrático há dois dias contra o país. Segundo Teerã, pelo menos nove pessoas morreram, incluindo três mulheres e quatro crianças.
O ataque aprofunda a crise política na região, cuja instabilidade aumentou com a guerra entre Israel e Hamas, iniciada em outubro. Embora Islamabad e Teerã tenham histórico de relações conturbadas, a ação paquistanesa constitui a intrusão transfronteiriça de maior visibilidade entre os vizinhos nos últimos anos, apontam analistas.
Os militares paquistaneses usaram drones e foguetes contra alvos identificados pelo setor de inteligência. Segundo autoridades, a ofensiva mirou integrantes dos grupos separatistas Frente de Libertação do Baluchistão e Exército de Libertação do Baluchistão, que estariam escondidos no vizinho.
O Ministério das Relações Exteriores paquistanês descreveu os bombardeios como “precisos e altamente coordenados” que terminaram com o saldo de “vários terroristas” mortos. “O único objetivo foi a busca da própria segurança do Paquistão, que é primordial e não pode ser comprometida”, disse em nota a pasta ao ponderar que Islamabad “respeita totalmente a soberania e a integridade territorial” do Irã.
Apesar de o comunicado buscar arrefecer as tensões, uma autoridade de segurança paquistanesa disse à agência de notícias Reuters que, horas após o ataque, os militares estavam em “alerta extremamente alto” e preparados para enfrentar qualquer “desventura” do lado iraniano.
Em Islamabad, um porta-voz do Ministério das Relações Exteriores disse que o premiê interino do país, Anwaar-ul-haq Kakar, interromperia a visita ao Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, e voltaria para casa.
O Irã disse que vários mísseis foram disparados contra uma vila na província de Sistão-Baluchistão, no sudeste do país e próxima da fronteira com o Paquistão. O regime “condenou veementemente” os ataques, afirmando que civis foram mortos, e convocou o encarregado de negócios paquistanês para dar explicação, num ato que representa desagravo diplomático.
O ataque ocorreu dois dias após o Irã ter bombardeado a base do grupo radical Jaish al-Adl, ou Exército da Justiça, no Paquistão. Ao menos duas pessoas morreram na ofensiva, e Islamabad havia prometido retaliação. A ação de Teerã teve motivos aparentemente distintos da guerra entre Israel e Hamas e ligados a um mega-atentado no sul do país que matou cerca de 90 pessoas no começo do ano.
Há anos o Paquistão abriga grupos acusados de agir contra interesses do Irã, muitos deles bancados por seu grande aliado, a Arábia Saudita. O Jaish al-Adl havia sido acusado no passado de sequestrar policiais de fronteira iranianos.
Sauditas, que guardam os locais mais sagrados do islamismo e representam a maioria sunita da religião, opõem-se aos minoritários xiitas do Irã, teocracia que concentra esse ramo da fé. No ano passado, contudo, a relação dos dois países melhorou após um acordo mediado pela China que restabeleceu relações diplomáticas entre eles.
Os chanceleres do Irã e do Paquistão chegaram a se reunir em Davos nesta semana, antes dos ataques iranianos ao vizinho. Os comentários de Islamabad após a retaliação sinalizam um desejo de manter as disputas contidas, mas analistas alertam que a crise pode sair do controle.
“O que causará ansiedade em Teerã é que o Paquistão cruzou uma linha ao atingir o território iraniano, um limite que até mesmo os EUA e Israel tiveram o cuidado de não violar”, disse à Reuters Asfandyar Mir, especialista em segurança do sul da Ásia no Instituto da Paz dos EUA.
Os grupos visados pelo Paquistão em sua ofensiva estão abrigados em uma área que inclui a província de Baluchistão, em território paquistanês, e a província de Sistão-Baluchistão, no Irã. As duas regiões são ricas em recursos minerais.
Os grupos separatistas buscam a independência da província paquistanesa do Baluchistão e defendem uma insurgência armada contra o Estado paquistanês. O Jaish al-Adl, que foi alvo do Irã, também é um grupo militante étnico, mas com tendências islâmicas sunitas que Teerã vê como ameaça.
Teerã e Islamabad se acusam com frequência de permitir que grupos paramilitares operem em seus territórios, mas é raro que forças oficiais de ambos os lados realizem quaisquer ataques.
O Paquistão tem cerca de 170 ogivas nucleares, desenvolvidas numa corrida contra a arquirrival Índia ao longo dos anos. Sua sociedade é fortemente dividida em linhas sectárias, e o Exército é o poder moderador de suas infinitas crises políticas.
Redação / Folhapress