SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As tradicionais cores do arco-íris que normalmente dominam a avenida Paulista durante a Parada do Orgulho LGBT+ concorreram neste ano com tons de verde e amarelo, que se espalharam em figurinos elaborados das drag queens e camisas da seleção brasileira vestidas pelo público.
Mais do que estética, a escolha se transformou em uma espécie de manifesto cromático para ressignificar as cores ligadas a movimentos conservadores e a nomes da direita nos últimos anos. Para isso, a edição deste ano convocou o público a se apropriar do verde e amarelo.
Quem chegou ao evento sem os adornos nesses tons se deparou com vários pontos de venda. Uma camiseta custava R$ 50, por exemplo. Bandeiras e outros itens que misturam a flâmula brasileira a ícones do movimento LGBT+, como as cores do arco-íris, também eram vendidos.
Com um vestido de tule verde e uma peruca amarela, a drag queen Tchaka, musa da Parada, abriu o evento com um discurso.
“O Brasil é dos LGBTs, a bandeira é nossa, é tudo nosso”, disse Tchaka, que saudou a todos pelo uso das cores e puxou coro com o tema da Parada deste ano. “Basta de retrocesso. Vote consciente”, gritaram os presentes.
Matheus Gomes, 37, e Alex Souza, 42, resolveram tirar as camisas da seleção brasileira do armário. Inicialmente, eles estavam reticentes em usar um símbolo tão “controverso”. “Foi a melhor decisão”, disse Alex. “O Brasil é mais e mais feliz gay hoje”, continuou Matheus.
O levante verde e amarelo ganhou força após o show da Madonna na praia de Copacabana, no Rio, em 4 de maio. As cores marcaram a apresentação da musa do público LGBT+, especialmente no momento da participação de Pabllo Vittar, que também levou os tons da bandeira ao palco.
Neste domingo, camisetas da turnê eram vendidas por ambulantes na Paulista a R$ 50. “Todo mundo quer sentir que participou daquilo. Foi um momento histórico, ainda mais para a nossa comunidade”, disse Samantha Gelli, 22, travesti, que comprou a sua.
Os leques, onipresentes no figurino do público LGBT+ durante festas noturnas e no Carnaval de rua, ganharam versões maiores na Parada, onde o som criado a partir das batidas das hastes se converteu em uma espécie de grito de guerra repetido após cada discurso.
Só o vendedor Marivaldo Aleixo, 51, disse ter vendido mais de 30 leques. “Sempre vende bem, no Carnaval também, mas hoje estão saindo mais os com as cores da bandeira”, afirmou. Além dos leques, faziam sucesso canudos com pontas em formato de pênis.
No carro abre-alas, drag queens com perucas em rosa, azul e lilás puxaram um público animado, mesmo sob o frio da manhã, com termômetros marcando 18ºC. Logo atrás, a escola de samba Estrela do 3º Milênio, do Grajaú, bairro na zona sul paulistana, desfilou e anunciou seu enredo para o próximo Carnaval: a história do movimento LGBT+ no país.
O público ficou em êxtase com a batucada e seguiu a bateria sambando.
Pouco depois do meio-dia, a Paulista recebeu a deputada federal Erika Hilton (PSOL) aos gritos de “presidenta”. “Marcharemos nesta tarde pela retomada da nossa bandeira e para mostrar que o Brasil será melhor, será bicha, sapatão, travesti”, disse a congressista.
Após Hilton, discursou seu correligionário Guilherme Boulos, pré-candidato à Prefeitura de São Paulo. Ele foi recebido com festa e batida de leques. “Esta cidade já derrotou o retrocesso outras vezes e vai derrotar outra vez neste ano. Tenho certeza”, disse ele.
Tabata Amaral, também pré-candidata, circulou pelo evento acompanhada de integrantes de sua equipe e aliados do PSB. A pessebista abordou pautas como a conscientização sobre a Aids, contudo não fez discursos.
Conforme havia anunciado, o prefeito Ricardo Nunes não compareceu ao evento. O emedebista disse que não poderia ir porque marcara uma consulta médica. Na última quinta (30), ele esteve na Marcha para Jesus, da qual Boulos e Tabata não participaram.
Na edição deste ano, os organizadores apostaram no tema Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo, convidando o público a refletir sobre a importância do voto consciente e representativo.
Família, orgulho, inclusão, diversidade, racismo, homofobia e combate ao preconceito sempre orbitaram o universo da maior Parada do Brasil, cuja primeira edição, em 1997, reuniu cerca de 2.000 participantes.
Apesar de já ter incluído antes temas diretamente relacionados a questões políticas a exemplo de Nosso Voto, Nossa Voz, em 2018, a marcha deste ano deu sinais de que atingiu sua edição mais política.
Tanto nos discursos da apresentadora oficial do evento, a drag queen Tchaka, quanto nas falas de representantes e autoridades que subiram ao trio, o tom político norteou o cortejo.
“A Parada foi a mais inclusiva, a com maior representativa de família, de todas as famílias reunidas, vindo de outros países, estados, de regiões periféricas, de todos os lugares. Sem dúvida foi a mais política que fizemos”, afirmou Tchaka, que há dez anos é mestre de cerimônia do evento.
“A 28ª Parada é uma provocação para toda a sociedade, não só para a bolha LGBT”, disse Toni Reis, 60, membro da Aliança Nacional LGBT+ e um dos fundadores do evento. “Todas as famílias hoje estão lutando por um país mais tolerante, com oportunidades para todas as pessoas, e muito mais divertido.”
No chão da Paulista e da Consolação, os participantes também entoaram palavras de ordem contra, sobretudo, a extrema direita, ao centrão e ao clã Bolsonaro.
“Não é só festa, bebedeira e música alta. Isso tudo faz parte do evento, é claro, mas não vamos ser hipócritas, houve aqui um grito de alerta contra o que a gente está enfrentando no país”, disse o estudante Paulo de Souza e Silva, 23, morador de Itaquera, zona leste de São Paulo. “A Parada é uma manifestação política. Hoje, superpolítica.”
“A Parada deste ano foi algo novo. Não só pela questão política, do tema do evento, assim como nos discursos durante o trajeto, como também pelo uso imagético da nacionalidade. Os símbolos nacionais foram ressignificados”, afirmou o professor de moda Tarcisio D’Almeida, 51, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que vestia uma camisa da seleção com o nome Madonna nas costas.
Além das camisas da seleção e dos leques com as cores da bandeira LGBT+, havia fantasias diversas entre o público. De Marilyn Monroe a Vera Verão, personagem do programa A Praça é Nossa, passando por fantasias conscientes para alertar para os hábitos de consumo excessivo
“Para mim, é elogio ser comparada a Vera Verão. Ela me inspira porque é bicha preta, afeminada, periférica, inteligente e criativa”, disse Deivid Leôncio, 27, trajado como a personagem.
Atração mais esperada, Pabllo Vittar subiu no trio elétrico com figurino nas cores da bandeira nacional e começou sua apresentação com seu hit “Amor de Que”. “Vamos ferver essa avenida”, disse, enquanto o público batia seus leques.
O show foi interrompido por alguns minutos após princípio de um tumulto quando o trio passava pelas obras na Paulista, nas proximidades da rua da Consolação. Neste ano, diferentemente dos anteriores, um trecho da via ficou interditado por causa de obras do metrô, e o público teve menos espaço.
Outra atração disputada, o show de Gloria Groove deu trabalho para os fãs que queriam vencer a multidão e chegar perto do trio elétrico, parado em frente ao Masp, o que causou empurra-empurra, brigas e muita gritaria. “Basta de negligência. Basta de retrocesso. Nenhum direito a menos”, disse a cantora no início de sua apresentação.
Ao ser perguntada sobre a estimativa de público na parada deste ano, a Secretaria de Segurança Pública, da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou que o número é divulgado pela organização do evento.
O Monitor do Debate Político no Meio Digital calculou uma estimativa com base em fotos aéreas, feitas entre 11h20 e 14h30 e analisadas por meio de um software. Com isso, chegou ao público de 73,6 mil pessoas às 14h30.
A Polícia Militar afirmou que não foi reportada nenhuma ocorrência relevante no evento.
BRUNO LUCCA, ROBERTO DE OLIVEIRA E LUANA LISBOA / Folhapress