BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Relatório técnico produzido pelo Exército deu aval para que uma ferrovia em construção em Mato Grosso, negociada entre a Rumo e a Força, pudesse ficar a 200 metros de área usada como alvo por militares em treinamentos de tiro com canhões. Depois, empresa e Exército chegaram a um acordo para aumentar a distância, ainda inferior ao mínimo recomendado.
Segundo o parecer obtido pela Folha de S.Paulo, a ferrovia pode ser atingida por estilhaços de munições e cargas de detonação ou mesmo sofrer problemas decorrentes da possível desestabilização do solo.
Para evitar incidentes, a Rumo e o Exército acertaram na última semana de novembro aumentar a distância para 400 metros e evitar que os trens passem pela região enquanto o 18º Grupo de Artilharia de Campanha realiza os treinamentos com tiros do obuseiro arma militar cujo disparo atinge até 21 km de distância.
A ferrovia construída pela Rumo terá mais de 700 km e ligará a estação de Rondonópolis a Cuiabá e Lucas do Rio Verde, cidades de Mato Grosso. Com esse braço, será possível unir pelo modal ferroviário a região norte do estado, de alta produção agrícola, ao porto de Santos (SP).
O traçado da ferrovia, porém, passa dentro de área militar do Exército no município de Rondonópolis. O local possui 1.700 hectares e é utilizado pela artilharia do Exército para treinos de tiros de canhões e explosivos.
Em troca do espaço na área militar, o Exército pediu que a Rumo construa casas para um general, para um oficial superior e um bloco de 12 apartamentos para militares, entre outras benfeitorias avaliadas em R$ 16,5 milhões.
A construção da ferrovia na área militar traz “evidente prejuízo à instrução e ao adestramento da OM (Organização Militar)”, segundo o parecer feito pelo major Mateus Tonini, da Artilharia Divisionária da 5ª Divisão do Exército.
No documento, Tonini afirma que instruções internas do Exército estabelecem distância mínima de 750 metros, a depender do armamento, entre o local em que a munição cai e armazéns, construções e estradas de rodagens e de ferro.
No caso do obuseiro 105mm, um dos principais armamentos utilizados pela artilharia no campo de Rondonópolis, a margem de segurança é de pelo menos 480 metros, segundo a literatura militar utilizada pelo autor do parecer.
Quando for impossível manter a distância, segundo Tonini, os regulamentos dizem que é preciso utilizar anteparos para garantir a segurança da ferrovia.
“A linha férrea na área do 18º GAC está planejada contornando o perímetro da área de alvos a uma distância aproximada de 200 m. Este fato coloca o traçado da ferrovia numa área possível de sofrer estilhaços de toda a ordem (cargas de detonação, munição e do terreno) inclusive sofrendo a onda de choque, que pode vir a desestabilizar o solo, tornando-se possível fator contribuinte de dano à via férrea e suas consequências”, diz trecho do parecer.
Apesar dos alertas, o major Tonini conclui que a “área pode ser cedida para a construção da ferrovia desde que sejam respeitados os aspectos de segurança já elencados”. São eles: a interrupção da ferrovia nos momentos em que houver disparos e a realização de inspeção técnica por empresa capacitada após os treinamentos, para verificar possível dano à estrada de ferro.
A decisão do Exército, em acordo com a Rumo, foi afastar a área de alvo para 400 metros ainda considerada insuficiente para evitar acidentes, conforme o relatório.
Segundo a Força, a distância está “adequada e não trará prejuízo para os exercícios de tiro que serão executados”.
No debate interno do Exército sobre como seria redigido o contrato com a Rumo, os chefes militares recomendaram excluir da Força qualquer responsabilidade por acidentes ou danos decorrentes da passagem de trens em local próximo aos tiros de canhões.
“Sugere-se como medida preventiva a inclusão de item com a redação expressa de que a União/Exército encontra-se isenta de qualquer responsabilidade civil, administrativa e penal sobre possíveis danos ambientais e suas repercussões. Também que seja expressamente excluída a responsabilidade por acidentes que possam vir a ocorrer na área cedida, tendo em vista que os exercícios de tiro ocorrem na área há várias décadas”, escreveu em nota técnica o 1º tenente Vitor de Araújo Gruhn, chefe da Assessoria de Apoio para Assuntos Jurídicos da Diretoria de Patrimônio Imobiliário e Meio Ambiente do Exército.
O contrato firmado entre a Rumo e o Exército estabelece algumas medidas de segurança para reduzir a chance de acidentes.
Além da interrupção da operação dos trens quando os tiros de obuseiro forem realizados, prática que ocorre menos de cinco vezes por ano, a Rumo terá de construir duas torres de vigia e levantar uma cerca ao redor da faixa de domínio da ferrovia, entre outros pontos.
O Exército afirma que os riscos da operação da ferrovia e os treinamentos militares foram “mitigados/dirimidos na fase de estudo do projeto”.
“O contrato estabelece que em momento algum a Concessão de Direito Real de Uso Resolúvel [da área pela Rumo] poderá impossibilitar as atividades de preparo e emprego, apoio logístico, administração e assistência social à família militar”, disse, em nota.
Para evitar o prejuízo aos militares, a Rumo chegou a oferecer a entrega de uma fazenda distante 30 km da atual área militar. O Exército, porém, disse que o terreno tinha uma dimensão menor que a necessária, além de 25% da área ser inundável durante os períodos chuvosos.
Com a negativa dos militares, a Rumo aceitou as contrapartidas definidas pela Força.
A área utilizada pelo Exército para o treinamento militar foi doada pelo estado de Mato Grosso e pela Prefeitura de Rondonópolis na década de 1970.
No período, era comum o Exército ampliar seus terrenos por meio de doações.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress