PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Os parisienses dirão neste domingo (23) “sim” ou “não” a um projeto da prefeita, a socialista Anne Hidalgo, 65, para “vegetalizar” e “pedestrianizar” 500 ruas de todos os bairros da capital francesa.
Em tempos de mudanças climáticas, seria de imaginar que uma Paris com mais árvores e menos automóveis contaria com apoio unânime, mas o plebiscito virou estopim de uma guerra cultural.
A consulta não tem valor impositivo, mas foi organizada pela prefeitura para legitimar o plano, parte de uma estratégia de preparação de Paris para ondas de calor de até 50°C nas próximas décadas.
“É verdade que nós podíamos ter decidido sozinhos, mas a prefeita quis que os cidadãos pudessem se expressar, porque é uma escolha entre dois modelos de cidade”, diz à Folha o prefeito adjunto encarregado da questão, Christophe Najdovski, uma espécie de secretário municipal do Meio Ambiente.
Caso vença o “sim”, afirma Najdovski, os moradores de cada “arrondissement”, os distritos parisienses, serão ouvidos para a escolha das novas “ruas-jardins”, vedadas aos automóveis e com espaços verdes.
Prefeita de Paris desde 2014, Hidalgo notabilizou-se por medidas ambientais que, mostram as medições, melhoraram o ar da capital, como a interdição de carros em parte das margens do rio Sena.
Hoje Paris tem cerca de 200 mil árvores, ou 500 mil, se incluídos os dois maiores parques da metrópole, o Bois de Boulogne e o Bois de Vincennes, fora dos limites oficiais da cidade. À falta de um ranking confiável, a prefeitura gaba-se de “uma das capitais mais arborizadas da Europa”.
Não satisfeita com esse número, em 2021 Hidalgo anunciou o plantio de mais 170 mil mudas em cinco anos. O número teria sido escolhido por ser a estimativa de recém-nascidos na cidade no mesmo período uma árvore para cada novo bebê parisiense.
A prefeitura afirma já ter plantado 122 mil. A oposição desconfia do número: pondera, por exemplo, que 35 mil são mera reposição de árvores derrubadas. Todos os anos, após inspeção, cerca de 3 mil são abatidas por risco de queda, algo que daria inveja aos paulistanos.
Os adversários da prefeita temem uma piora do trânsito. Acusam-na de propor uma pergunta vaga ”Você é a favor ou contra a vegetalização e a pedestrianização de 500 novas ruas em Paris, divididas entre todos os bairros?” para obter carta-branca.
Questionam, ainda, a legitimidade do resultado. É a terceira votação do gênero organizada por Hidalgo. A primeira, em 2023, proibiu o serviço de aluguel de patinetes nas ruas (89% foram a favor do veto); a segunda, no ano passado, encareceu o estacionamento de SUVs no centro (54% a favor). Ambas tiveram menos de 8% de participação.
“Foram as parisienses e os parisienses que decidiram, e cada votação foi acompanhada por fatos concretos”, argumenta Najdovski. “As patinetes causavam muitos acidentes. O número de SUVs, perigosos e que ocupam espaço, caiu dois terços em poucos meses.”
A polêmica tem um pano de fundo eleitoral. No início de 2026, Hidalgo deixará o cargo, após 12 anos no poder. Uma das aspirantes a sucedê-la é a atual ministra da Cultura, Rachida Dati, 59, de direita. O eleitorado parisiense pendeu para a esquerda nos últimos anos, mas Dati tem mais notoriedade que os rivais.
O sistema de votação é indireto os eleitores escolhem, em cada distrito, os conselheiros, uma espécie de vereadores de subprefeituras. Estes, por sua vez, elegem quem governará a cidade.
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress