Partido Conservador do Reino Unido amarga maior derrota desde sua fundação

BOA VISTA, RR, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O resultado das eleições gerais do Reino Unido de quinta-feira (4) impôs ao Partido Conservador, liderado pelo primeiro-ministro Rishi Sunak, a maior derrota da história da sigla, fundada há 190 anos, em 1834.

Com 649 dos 650 distritos eleitorais apurados até a publicação deste texto, os conservadores perderam 252 assentos na Câmara dos Comuns e agora vão comandar uma bancada de 121 parlamentares, a menor desde que começaram a competir em eleições gerais em 1835 -até aqui, o pior resultado tinha sido em 1906, quando obteve 156 assentos.

Com uma campanha marcada por polêmicas, os eleitores britânicos levaram o Partido Trabalhista a conquistar 412 dos 650 assentos da Câmara dos Comuns -uma vitória acachapante.

O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, chega ao cargo graças a uma eleição que foi, em grande medida, um referendo sobre 14 anos dos conservadores no poder, um período marcado por um brexit caótico, aumento no custo de vida e sucateamento dos serviços públicos, como o NHS, o sistema de saúde público que inspirou o SUS.

Com os resultados dos distritos disponíveis, uma análise dos dados feita pela Folha mostra que, como pontuou o estatístico John Curtice, responsável pela pesquisa boca de urna que previu a vitória da oposição, a história dessas eleições é muito mais de uma derrota conservadora do que de uma vitória trabalhista. Os tories, como os membros do partido de Sunak também são chamados, perderam terreno em todas as regiões do país, com exceção da Irlanda do Norte, onde historicamente não têm expressão.

Em pontos percentuais, a maior queda do Partido Conservador foi no Sudoeste da Inglaterra, uma região tradicionalmente rural, rica e que costuma votar à direita. Lá, a sigla perdeu 68 pontos percentuais, e o principal beneficiário foi o Partido Liberal Democrata, de centro, que terminou as eleições com 71 cadeiras no Parlamento.

Esse padrão de perda dos conservadores e ganho dos liberais se repetiu também no Sudeste da Inglaterra -nessa região, o partido liderado pelo economista Ed Davey saltou de 1,2% para 26,4%.

Outro destaque são as Midlands Orientais, região mais pobre no centro da Inglaterra em que o partido foi de 82,6% para 31,9% em quatro anos.

Com a eleição de 2024, a região que é mais composta pelo Partido Conservador agora é o Leste da Inglaterra, com 37,7% da região.

Do outro lado do espectro político, o Partido Trabalhista cresceu percentualmente em todas as regiões exceto na Irlanda do Norte, onde o voto de esquerda costuma ser a favor da reunificação das Irlandas e, por isso, capturado pelo partido nacionalista Sinn Féin.

Um importante destaque é a Escócia, onde o Partido Trabalhista cresceu 64 pontos percentuais, indo de 1,7% em 2019 para 66,1% em 2024 -crescimento que se deu às custas do Partido Nacional Escocês: a sigla perdeu 37 assentos no Parlamento e vai contar com uma bancada de apenas nove representantes.

Com a eleição de 2024, a região que é mais composta pelo partido trabalhista agora é Nordeste da Inglaterra, com 96,3% da região.

Para a análise, a Folha de S.Paulo optou por utilizar a composição geral de cada região do Reino Unido, independente da quantidade de distritos, já que as circunscrições se alteraram ao longo das eleições. Para identificar as regiões, o levantamento levou em consideração a disposição dos distritos.

Essa análise prévia conta com o nome de 649 dos 650 distritos cujas informações de votação já tinham sido divulgadas pela Câmara dos Comuns do Reino Unido às 19h desta sexta-feira (5).

Considerando apenas o período pós-guerra, o pior desempenho dos conservadores nas urnas tinha sido em 1997, quando Tony Blair liderou os trabalhistas em outro triunfo esmagador: com 43% dos votos, o partido de centro-esquerda conquistou 417 assentos naquele ano.

O momento era, em muitos sentidos, semelhante ao atual: o eleitorado, cansado de um Partido Conservador que estava havia 18 anos no poder, deu uma maioria retumbante a um líder trabalhista mais à direita que a base de seu partido -Blair fundou o movimento “New Labour”, que conferiu à sigla uma roupagem mais centrista.

Além disso, o principal legado de Blair foi um aumento no número de intervenções militares do Reino Unido em conflitos externos, em especial o apoio irrestrito à Guerra do Iraque e o envio de tropas para auxiliar os americanos, decisão que rende críticas ao ex-premiê até hoje.

O trabalhista pôs fim, na ocasião de sua eleição, a um ciclo conservador inaugurado em 1979 com a vitória de Margaret Thatcher. Primeira mulher no cargo, Thatcher foi responsável pela liberalização da economia britânica, com privatização de estatais e cortes de benefícios sociais e trabalhistas.

Quando foi reeleita, em 1983, a primeira-ministra obteve a maioria mais expressiva do Partido Conservador na história moderna do país, com 397 assentos no Parlamento e mais de 42% dos votos.

Antes disso, a maior reviravolta nas urnas do Reino Unido foi em 1945, quando o premiê Winston Churchill, que conduziu o país durante a Segunda Guerra Mundial, sofreu uma derrota marcante para o trabalhista Clement Attlee. Conquistando 48% dos votos, Attlee chegou a 393 assentos no Parlamento -19 a menos do que Starmer terá à sua disposição agora.

A derrota esmagadora dos conservadores nesta quinta sela uma coleção de fracassos, polêmicas e escândalos dos 14 anos dos tories à frente do governo britânico.

A medida mais impactante em termos históricos foi a decisão do então premiê David Cameron, em 2016, de convocar uma consulta popular sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia. O objetivo era agradar a uma ala do partido que desejava a separação.

O líder tinha convicção de que essa era uma opinião minoritária e defendeu que o país seguisse no bloco. A campanha pelo “leave”, no entanto, surpreendeu e venceu com 52% dos votos.

Nigel Farage, principal face pública dos favoráveis ao divórcio e um dos grandes responsáveis pelo seu sucesso, lidera o Reform UK, legenda que hoje faz frente aos conservadores ainda mais à direita e que obteve 14% dos votos -apesar disso, conseguiu apenas 5 assentos no Parlamento, graças ao sistema distrital puro do Reino Unido sem direito a segundo turno.

Depois de Cameron, o brexit se arrastou por todos os outros quatro líderes conservadores. Oficializado apenas em 2017, já sob Theresa May, teve importante acordo comercial fechado com a UE durante o governo de Boris Johnson, em 2020, e inflamou tensões na Irlanda do Norte sob Liz Truss e Rishi Sunak, em razão da necessidade de retomada da fronteira aduaneira com a Irlanda (integrante da UE).

A decisão segue até hoje questionada, e mesmo Starmer, que foi contrário à saída do bloco europeu, descarta uma reviravolta que leve o Reino Unido de volta à UE. Por outro lado, ele questiona o arranjo comercial feito por Johnson com o bloco e diz que vai trabalhar por um novo acordo.

Todos os premiês tiveram sua dose de problemas no cargo e contribuíram para a derrocada do partido em termos eleitorais.

May, que sucedeu Cameron após sua renúncia logo depois do resultado do plebiscito, também deixou o cargo em razão da incapacidade de selar a separação.

Depois dela veio Boris Johnson, que enfim oficializou o brexit. Mas seu governo, para além da imagem pessoal de bufão e personalidade polêmica do premiê, passou pela montanha-russa da pandemia de Covid-19 -que começou com o negacionismo de Johnson e terminou com a primeira dose de vacina aplicada no mundo– e por escândalos sexuais no gabinete até sua renúncia.

Liz Truss teve 44 dias no cargo, defenestrada pela péssima recepção dos planos econômicos que propôs, antes de Sunak assumir o posto.

O atual premiê assumiu em outubro de 2022 e conseguiu estabilizar a inflação do país em meio à Guerra da Ucrânia, mas a atividade econômica estagnou. Uma de suas principais bandeiras, acabar com a migração pelo Canal da Mancha, fracassou com a polêmica lei que permite enviar migrantes a Ruanda, na África Oriental, para que o processamento de seus pedidos de refúgio seja feito fora do Reino Unido.

Apesar do tamanho da derrota nesta quinta, não parece provável que os trabalhistas tenham facilidade para emendar um período igualmente longo no governo. Pesquisa do YouGov aponta que 48% dos que votariam pelo Partido Trabalhista o fizeram para tirar os conservadores do poder; apenas 5% explicitaram que votariam por concordar com as propostas do novo governo.

GUILHERME BOTACINI, VICTOR LACOMBE, NICHOLAS PRETTO E NATÁLIA SANTOS / Folhapress

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