BENONI, ÁFRICA DO SUL (FOLHAPRESS) – Maior partido de oposição da África do Sul, a Aliança Democrática (AD) promoveu neste domingo (26) o comício de encerramento da sua campanha eleitoral, reforçando o mote da eficiência, principal cartada para chegar ao poder na eleição da próxima quarta-feira (29).
Discursando em inglês sob um sol forte de outono, o líder do partido, John Steenhuisen, membro da minoria branca do país, arriscou algumas palavras em idiomas africanos para passar a mensagem da meritocracia às cerca de 10 mil pessoas reunidas na cidade de Benoni, na região metropolitana de Joanesburgo.
“Nosso partido não é apenas ‘khuluma, khuluma e khuluma’ [falar, falar e falar], nosso partido entrega, entrega e entrega”, discursou Steenhuisen (pronuncia-se “stenrêisen”), usando uma palavra na língua zulu.
A AD é acusada por opositores, especialmente na legenda governista Congresso Nacional Africano (CNA), de ser um partido que representa apenas os brancos, cerca de 9% da população sul-africana.
A plateia, no entanto, era composta em sua grande maioria por negros, o que explica o esforço do líder do partido, não exatamente uma pessoa das mais carismáticas, de fazer acenos linguísticos um tanto trôpegos no evento. Muitos na audiência riram da pronúncia dele ao usar palavras de idiomas africanos em diversos momentos.
O grande trunfo eleitoral da AD é seu desempenho na província do Cabo Ocidental, que administra há 15 anos. Também governa diversos municípios do país, incluindo a Cidade do Cabo.
Embora as gestões estejam longe da perfeição, a comparação com o caos administrativo e as denúncias de corrupção do governo nacional, controlado pelo CNA, é sempre reforçada pela legenda.
“Somos o partido que tem a província e os municípios mais bem administrados do país. Temos uma folha de serviços prestados comprovada”, disse Steenhuisen no evento.
Pesquisas apontam o CNA na faixa de 40% a 45%, pela primeira vez abaixo da maioria absoluta. Pelo sistema sul-africano, isso o obrigará a governar em coalizão com legendas menores, o que será lido como uma derrota histórica para o partido que comanda o país desde o fim do apartheid, em 1994
Já a AD tem obtido entre 20% e 25% das intenções de voto, e aposta fechar acordos com partidos de centro para conseguir formar uma improvável maioria.
Uma grande coalizão entre CNA e AD é uma possibilidade, embora neste momento seja rejeitada por ambas as partes.
Na multidão uniformizada com camisas azul-marinho distribuídas pelo partido, era possível ler mensagens como “o Cabo Ocidental funciona”, “a AD faz as coisas acontecerem” e “Resgate a África do Sul” este último, o slogan da campanha.
A legenda se define como de centro-direita e liberal, defensora das privatizações, desregulamentação da economia e meritocracia.
Como que para provar sua eficiência, organizou um comício que parecia um comportado evento cultural, com distribuição de camisetas, sombrinhas (também azul-marinhas, cor do partido) e garrafas de água. Cadeiras foram envelopadas com tecido sintético para o público poder acompanhar a tudo bem acomodado.
O local escolhido também carrega simbolismo: um charmoso estádio de críquete, esporte de elite no país.
Mas a plateia, formada majoritariamente por jovens, se soltou nas apresentações musicais de hip hop, pop e rock que se intercalaram com os discursos políticos.
Entre os presentes ao ato, o emprego era de longe a preocupação preponderante, embora o país também sofra com problemas como segurança e apagões. Cerca de 30% da população está sem trabalho formal, índice que chega à metade entre os mais jovens.
Procurando trabalho há meses, Catherine Chauke diz que votou no CNA, partido do ícone Nelson Mandela, durante os últimos 30 anos, mas que agora vai aderir à oposição. “Sem empregos, não há vida”, diz.
Pai de quatro crianças, Eneas Makena, 41, diz que está “passando aperto”, como todas as pessoas que conhecem. “Desde pequeno escuto as promessas do CNA, mas as coisas apenas pioram. Eles adoram falar que são o partido da libertação racial até o dia do voto. Depois, desaparecem”, diz.
Já o aposentado John Bible, 62, afirma que se encorajou com o desempenho da AD onde o partido governa. “Eu vejo o que fizeram na Cidade do Cabo, vejo alguma melhoria. Espero que façam no país inteiro.”
Embora a questão econômica tenha sido preponderante no evento, o tema racial sutilmente também se fez presente.
A temperatura nesse ponto tem subido. Partidos de esquerda radical, como os Combatentes da Liberdade Econômica e o MK, do ex-presidente Jacob Zuma, aumentaram a agressividade retórica contra a minoria branca, culpando-a por supostamente seguir oprimindo a maioria da população mesmo três décadas depois do fim do apartheid.
Em vídeos exibidos no comício, o partido prometeu resgatar o sonho de uma democracia racial. “Não julgamos as pessoas pelo que parecem, mas pelo que são. Nós acreditamos na diversidade”, disse um filmete, mostrando imagens de imensas filas de pessoas votando pela primeira vez em 1994.
Vereador em Ekurhuleni, outra cidade próxima a Joanesburgo, Tim Denny, 60, afirma que o CNA teve sua chance e não fez o que prometeu. “Agora é a hora de dar a chance para outros”, diz.
Branco, ele diz não gostar da retórica racial de outros partidos, mas não se sente ameaçado. “Não estou assustado, não mesmo. Acho que todos entendem que a África do Sul é multirracial, inclusive os que dizem esse tipo de coisa.”
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AS PRINCIPAIS FORÇAS POLÍTICAS DA ÁFRICA DO SUL
Congresso Nacional Africano (CNA)
Líder: Cyril Ramaphosa (presidente da África do Sul)
Nascido de um movimento contra o apartheid, é o partido dominante e governa o país desde 1994 como principal representante da maioria negra; vive desgaste por cisões internas e denúncias de corrupção
Aliança Democrática (AD)
Líder: John Steenhuisen
Maior partido de oposição, tem plataforma liberal, e sua base é formada principalmente pela minoria branca; propõe uma coalizão com outras siglas para governar caso o CNA não consiga mais de 50% do Parlamento
Combatentes da Liberdade Econômica (CLE)
Líder: Julius Malema
Partido de esquerda radical, cujas propostas incluem expropriação de terras sem indenização e estatização do setor de mineração; embora de oposição, poderia aliar-se ao CNA se este não vencer a eleição com maioria
Lança da Nação (MK)
Líder: Jacob Zuma
Criado no fim do ano passado, o partido populista de esquerda foi batizado com o nome do antigo braço armado do CNA à época do apartheid; o ex-presidente Zuma, porém, foi declarado inelegível no último dia 20 devido à pena de prisão a que foi condenado em 2021
FÁBIO ZANINI / Folhapress