Pastor vê androginia em doramas, e meio evangélico reage

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um símbolo de coração, quem diria, virou motivo de discórdia entre evangélicos.

Tudo começou após um pastor de Pernambuco, Ailton José Alves Junior, líder de uma Assembleia de Deus em Caruaru, pregar contra um gesto que emula o formato do órgão, comum entre fãs de dorama.

O gênero abrange uma espécie de novela asiática com poucos episódios e alta carga dramática. Um fenômeno mundial em plataformas de streaming, na esteira do sucesso do k-pop e de produções como a sul-coreana “Round 6”, seriado mais visto da história da Netflix.

Para o pastor Ailton, dorama é outra coisa: um mal a ser evitado por defender a androginia. Ele mirou sobretudo o “coração de dorama”, união entre indicador e polegar que forma um pequeno coração e lembra um pouco o sinal de figa com os dedos.

“Não faça mais o coração de dorama”, disse o líder pentecostal num congresso voltado a adolescentes, no fim de janeiro. “Nos púlpitos da igreja, para tirar fotos… Você sabe o que é dorama? Quem aqui sabe o que é dorama? Quem sabe o que é dorama? Defesa da androginia! Não há definição de macho nem fêmea. E todo mundo fazendo o sinal de dorama porque são ignorantes.”

“Saudação de crente”, completou, “é ‘a paz seja convosco'”.

A reportagem tentou contato com o pastor na tarde deste domingo (4), mas ele não respondeu as mensagens enviadas.

O trecho em que Ailton Junior condena o aceno se alastrou por redes sociais e sites evangélicos. O Pleno News foi um dos que noticiou a fala, o que rendeu um comentário da pastora Sarah Sheeva no Instagram do portal. Convertida nos anos 1990, a primogênita de Baby do Brasil e Pepeu Gomes acumula críticas contra outros ícones pop, como Coldplay, por ela chamado de “Capetaplay”.

Ela também palpitou sobre a polêmica da vez: “Gente, o problema do dorama não está no símbolo do coração, está na defraudação emocional que ele causa na alma das pessoas”. Recomendou em seguida um livro dela, justamente o “Defraudação Emocional”, que diz ofertar “uma abordagem bíblica e espiritual para lidar com as decepções amorosas e frustrações emocionais”.

O deputado Pastor Eurico (PL-PE), um dos membros mais atuantes da bancada evangélica, também elogiou a pregação do colega de Caruaru. Compartilhou, inclusive, um vídeo de Netinho Eurico, seu filho, dizendo que Junior acertou na mosca ao questionar a estética andrógina na cultura pop asiática.

Para ilustrar seu ponto, mostrou fotos dos integrantes do BTS, a maior banda de k-pop, de batom. Também expôs Choi Ren, conterrâneo da Coreia do Sul que incorpora elementos tipicamente femininos em seu guarda-roupa, e Amber Liu, uma rapper sino-americana que adota um estilo associado à masculinidade.

Não que haja qualquer consenso nas igrejas sobre o dorama. O pastor Elizeu Rodrigues, com milhões de seguidores na internet, aconselhou: “Não proíba o que a Bíblia não proibiu”. Alvo de críticas pela opinião, acabou apagando o post.

Em outro pitaco sobre o gênero, Rodrigues disse que nos doramas que conhece “não há prostituição, não há homossexualidade, não há desonra aos pais”.

Liderança na Igreja Cristã da Aliança e articulista em canais evangélicos, Renato Vargens afirmou que “não cabe ao pastor proibir um crente de assistir à TV”.

“Os que agem assim”, disse, “demonstram ser dominadores do rebanho, impondo sobre os seus liderados um legalismo cuja eficácia é incapaz de produzir santificação”.

Para Ticiana Chiara Bizarria, 51, fiel da igreja A Ponte Natal e admiradora de doramas como “Eu Tenho um Amor” e “Mr. Sunshine”, o pastor crítico ao gênero “teria muito mais assunto relevante para tratar com os jovens”.

Onde Ailton Junior vê androginia, ela vê “desinformação completa sobre o assunto”. O que a atrai ao produto audiovisual exportado pela Ásia é “não sexualização tão explícita”.

“Gosto como eles abordam um determinado tema muitas vezes bem sério de forma suave, como por exemplo uma advogada extraordinária que aborda o autismo.”

O assunto emerge de tempos em tempos nos círculos crentes, com vídeos dedicados a responder se assistir a doramas é ou não, afinal, pecado no meio cristão. O pastor André Valadão, da Batista Lagoinha, chegou a ser questionado se a tia de um fiel, “viciada em série coreana de mafioso”, no caso “Vincenzo”, estava errando aos olhos de Deus.

Valadão deu um passa-fora no seguidor. “Olha, eu acho que você tinha que cuidar da sua vida, né? Ainda mais com sua tia, ela é mais velha do que você, né?”

ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress

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