SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Alessandra Silva, 45, mora em Parelheiros, no extremo-sul de São Paulo, e trabalha como recepcionista em uma clínica na região central da cidade. Para chegar ao endereço, precisa de um ônibus, trem e duas linhas do metrô. O trajeto dura quase duas horas. Nesta terça-feira (28), porém, a mulher deve precisar de uma hora a mais.
Com a greve planejada no sistema estadual de transporte sobre trilhos, Alessandra precisará de três coletivos para chegar ao emprego. “Normalmente, saio de casa às 6h. Na terça, terei que sair antes das 5h”, diz ela. “Tentei uma folga, mas meu chefe não liga para trem ou metrô, sabe? Para ele, preciso me virar”, continua.
Além de funcionários do Metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos), devem parar os da Sabesp (Companhia de Saneamento do Estado), Fundação Casa e professores da rede pública. Em razão do movimento, o governo decidiu adiar a aplicação do Provão Paulista, vestibular seriado estadual.
A paralisação não deve afetar as linhas privatizadas do metrô (4-amarela e 5-lilás) e de trens metropolitanos (8-diamente e 9-esmeralda).
Os grevistas protestam contra os planos de privatização de Tarcísio de Freitas (Republicanos), além de um dispositivo proposto pela gestão que permitiria reduzir em 5% o total do orçamento dedicado à Educação para 2024. “O governador quer deixar nosso estado em frangalhos, está claro. Privatizar serviços essenciais nunca é a solução, olhem as consequências na Enel”, disse Helena Maria da Silva, vice-presidente do Sintaema (Sindicato dos Trabalhadores em Água, Esgoto e Meio Ambiente do Estado de São Paulo). “[Querem] oferecer o pior do pior à nossa população. É por ela que lutamos”, acrescentou.
“Não vamos esmorecer. Se não querem a privatização, sinto muito, continuaremos estudando, não é esse o tipo de conduta que irá nos fazer retroceder nesse debate”, afirmou o governador na sexta-feira (24).
Ponto facultativo deve ser decretado na terça, segundo Tarcísio, caso o movimento seja confirmado. Ele ainda disse pretender recorrer ao Judiciário para determinar os termos de manutenção dos serviços públicos durante a paralisação.
Tarcisio subiu o tom contra os grevistas. “A gente não pode ser escravizado por meia dúzia de pessoas de um sindicato que tem uma pauta própria, que está olhando para o próprio umbigo. Nós não vamos tolerar esse tipo de coisa.”
O governador ainda descartou a possibilidade de liberar as catracas das estações, como pede o sindicato dos metroviários, e classificou a iniciativa como “irresponsável”.
A auxiliar administrativa Adriana Gomes, 35, discorda da avaliação do republicano. “Se o governador olhasse para o povo, liberava as catracas. O papel dele é negociar o melhor para nós, não para as empresas”, desabafa.
Moradora de Sapopemba, na zona leste paulistana, ela necessita do metrô para chegar ao emprego, em Santana, zona norte da capital. Na terça, aspira ir de carro por aplicativo. “Vai estar um absurdo de caro, mas é a solução.”
Mais uma coisa preocupa Adriana: ela é mãe solteira de três filhos, os quais deixa na escola para trabalhar. O mais velho, de 14 anos, estuda na rede estadual, os outros, de 10 e 6 anos, na municipal.
Decisão sobre cancelamento de aulas deve ser tomada pelo estado somente nesta segunda-feira (27). Até publicação deste texto, a Prefeitura de São Paulo não havia respondido questionamento da reportagem sobre o tema. Nas últimas paralisações, a gestão municipal cancelou o rodízio de veículos.
“Já acionei minha mãe. Se não tiver escola, os meninos ficam com ela para eu trabalhar”, relata Adriana.
No último dia 3 de outubro, funcionários do Metrô, da CPTM e da Sabesp também fizeram greve contra os planos de privatização. A mobilização durou 24 horas, sendo classificada pelo governo como ilegal -a Justiça determinara que 80% do efetivo trabalhasse, com 100% durante os horários de pico. Na ocasião, Tarcísio acusou os sindicatos de agirem com “clara motivação política”.
A expectativa de ficar sem meios de locomoção nesta terça aflorou a união dos subordinados de Vanessa Oliveira, 38, gerente de um restaurante em Pinheiros, zona oeste de São Paulo. Em um grupo no WhatsApp, foram organizadas caronas. Já para os que ficaram fora das rotas, dinheiro para táxi foi arrecadado. “Estamos todos lascados, então vamos juntos”, diz Vanessa.
BRUNO LUCCA / Folhapress