Paulo Betti reconta infância rural e cheia de realismo mágico em monólogo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Paulo Betti é um historiador de si mesmo. Ao longo da vida, o ator desenvolveu o hábito de documentar fatos importantes e de guardar objetos que ajudam a contar a história de sua família.

Foi essa coleção de memórias que deu ao artista a matéria-prima necessária para a criação, em 2015, do monólogo “Autobiografia Autorizada”, peça que chega a São Paulo para três apresentações na Caixa Cultural, desta sexta-feira até o domingo.

O artista diz que a ideia de fazer o espetáculo surgiu porque amigos diziam com frequência que ele era um bom contador de histórias.

“A princípio você pensa que contar experiências pessoais pode ser chato, mas a resposta que eu tenho do público é bem interessante. Acaba despertando nas pessoas o desejo de contar as próprias histórias.”

Ele diz também que sua origem é outro elemento que pode despertar a atenção do público. “O fato de eu ter nascido numa senzala torna a minha história razoavelmente interessante”, diz, relembrando que sua família precisou morar em um imóvel que teria sido uma antiga senzala ao se mudar da Itália para o município de Rafar, interior paulista.

Aos três anos, o artista deixou a cidade quando os pais se mudaram para Sorocaba, onde diz ter crescido em uma região de maioria negra. “Fui criado num quilombo. Não é um oficial, mas o meu bairro tinha uma população predominantemente negra.”

No espetáculo, o artista narra essas histórias quase como um fluxo de consciência, de forma não linear ou cronológica. Em cena, Betti dá ênfase à infância e à adolescência, deixando de lado o período após o estrelato.

A decisão se deu porque a internet oferece um material farto sobre a sua carreira, o que não acontece com o período que antecedeu a fama. “E a infância e a adolescência são fases de formação. É quando a gente se estrutura.”

As memórias que ele conta no palco são de uma infância idílica, cercada pela natureza do interior de São Paulo. O município de Sorocaba, inclusive, é o cenário de boa parte dessas histórias. Por esse motivo, a cenografia reproduz o interior da casa onde Betti morou na cidade paulista.

Além disso, há uma vela que fica acesa do começo ao fim da produção. O objeto faz referência a um dos momentos marcantes da infância de Betti.

“Naquela época, as pessoas morriam em casa. Então, eu vi meu avô morrendo com uma vela acesa na mão e alguém rezando sobre ele”, diz o artista, acrescentando que a iluminação confere uma atmosfera de encantamento aos espaços.

Essa ambientação é importante porque sua juventude foi permeada por um certo realismo mágico. Tanto a mãe quanto a avó do artista relatavam experiências mediúnicas. “Quando o vento batia, minha mãe abria a porta e dizia: ‘Pode entrar’. Era uma convivência direta com os espíritos.”

Durante o espetáculo, Betti conta também que seu pai tinha esquizofrenia, motivo pelo qual precisou amadurecer cedo. “Internei meu pai com camisa de força quando eu era adolescente. Eu não

podia ser irresponsável”, afirma o artista. “Isso me transformou em quem eu sou hoje.”

MATHEUS ROCHA / Folhapress

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