BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Nove dos 81 senadores que vão deliberar sobre a chamada “PEC das Praias” têm em seu nome propriedades que ficam em área de marinha, de acordo com dados públicos da Secretaria do Patrimônio da União (que faz parte do Ministério da Gestão e Inovação) e da Justiça Eleitoral.
São eles Alessandro Vieira (MDB-SE), Ciro Nogueira (PP-PI), Esperidião Amin (PP-SC), Fernando Dueire (MDB-PE), Jader Barbalho (MDB-PA), Laércio Oliveira (PP-SE), Marcos do Val (Podemos-ES), Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) e Renan Calheiros (MDB-AL).
Procurados pela reportagem, cinco disseram não ver impedimento em analisar a proposta e os outros quatro não se manifestaram.
O levantamento levou em conta imóveis no nome do parlamentar ou de empresas da sua propriedade.
Os terrenos de marinha são áreas à beira-mar que ocupam uma faixa de 33 metros ao longo da costa marítima e das margens de rios e lagos que sofrem a influência das marés. Elas foram medidas a partir da posição da maré cheia do ano de 1831. Ou seja, em cidades litorâneas, são áreas que ficam atrás da faixa de areia.
A propriedade desses imóveis é compartilhada com a União, que cobra uma taxa de foro pelo uso e ocupação do terreno. Em caso de transferência para outra pessoa, é preciso pagar outra taxa, o laudêmio.
A PEC facilita a transferência dos bens em áreas urbanas da União para estados e municípios ou para proprietários privados, em texto criticado por técnicos e especialistas por criar insegurança jurídica, permitir a privatização de áreas do litoral brasileiro e abrir brechas para grilagem.
A medida é considerada por técnicos como de alto risco. O texto prevê a cessão onerosa das áreas, ou seja, os ocupantes serão obrigados a comprar a parcela da União no terreno de marinha.
Na prática, porém, a PEC não prevê sanções ou condutas em caso de não pagamento em outras palavras, o governo pode levar um calote sem ter meios para cobrar os valores devidos.
Já em 2022, técnicos viam potencial de a medida se transformar na maior transferência de patrimônio público para o setor privado na história do país.
O texto tem como relator o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que encampou a defesa da proposta e emitiu parecer favorável ao texto aprovado pela Câmara dos Deputados em fevereiro de 2022.
Seu pai, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), foi em seu governo um entusiasta de mudanças em regras para criar uma espécie de “Cancún brasileira” na região de Angra dos Reis (RJ) região onde se situam diversas áreas de marinha potencialmente alcançadas pela PEC.
Entre os possíveis beneficiários diretos da PEC, os senadores Esperidião Amin e Oriovisto Guimarães se declararam favoráveis ao texto.
Oriovisto é o responsável por um imóvel de 2.982,89 m² de área total em Guaratuba, no Paraná, segundo os dados da Secretaria de Patrimônio da União. Procurado, ele disse que se trata de uma casa de veraneio e que a PEC não terá “reflexo significativo” em seu caso.
“Hoje pago uma taxa anual para a SPU e pago IPTU para a prefeitura. Se a PEC passar, vou examinar se vale a pena pagar um valor para a SPU para me livrar da taxa anual, ou se deixo como está hoje. São milhares de casas na mesma situação. Importante salientar que, em qualquer hipótese, não haverá alteração no uso do terreno”, disse.
Marcos do Val e Laércio Oliveira não manifestaram qual posição vão adotar na análise do tema, embora o segundo tenha votado a favor da proposta quando ela foi aprovada pela Câmara e ele era deputado.
“Vou acompanhar novas discussões que tragam segurança à população, porque a PEC está gerando interpretações equivocadas e imprecisas”, Disse Laércio.
Já Fernando Dueire se disse contrário à medida.
Todos os parlamentares que se pronunciaram negam desconforto em votar uma matéria que pode beneficiá-los.
Por meio de sua assessoria, Marcos do Val disse que se sentir impedido de analisar e votar a proposta por ter um imóvel em área de marinha “seria o mesmo que um senador da área do esporte se considerar impedido de analisar uma questão nesse assunto”. Seu imóvel fica em Vitória (ES).
Não responderam às perguntas da reportagem Renan Calheiros, Jader Barbalho, Ciro Nogueira e Alessandro Vieira.
Para o senador Flávio Bolsonaro, o projeto dará mais segurança jurídica aos atuais ocupantes das áreas, aumentará a arrecadação federal e atenderá necessidades de municípios com grandes áreas litorâneas.
Na época da aprovação do texto da Câmara, em fevereiro de 2022 durante a gestão Bolsonaro, portanto, a SPU já alertava para os efeitos deletérios da PEC sobre o patrimônio da União, uma vez que o valor das áreas envolvidas poderia chegar a R$ 1 trilhão.
O prejuízo, porém, pode ser ainda maior. A partir de dados do Censo Demográfico de 2022, a Secretaria do Patrimônio da União estima que 2,9 milhões de imóveis estejam em terrenos de marinha, mas apenas 565,3 mil deles estão cadastrados.
Os beneficiários tendem a ser pessoas de alta renda, que ocupam terrenos à beira-mar.
Ambientalistas apontam riscos para a diversidade ecológica, caso prospere a cessão onerosa dessas áreas. O governo federal ainda aponta que a demarcação e administração desses terrenos são fundamentais para garantir a gestão adequada dos bens da União.
O governo federal afirma que o Brasil tem cerca de 48 mil quilômetros lineares em terrenos de marinha, considerando reentrâncias em estados como Pará e Maranhão. Deste total, aproximadamente 15 mil quilômetros lineares estão demarcados.
LUCAS MARCHESINI, IDIANA TOMAZELLI E RANIER BRAGON / Folhapress