PEC para transferir à União servidores de ex-territórios pode custar R$ 6,3 bi ao ano

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A PEC (proposta de emenda à Constituição) que abre caminho para a inclusão de até 50 mil servidores de ex-territórios federais na folha de pagamento da União pode custar R$ 6,3 bilhões ao ano, segundo cálculos obtidos pela reportagem.

A proposta foi aprovada por unanimidade no Senado na terça-feira (12) —inclusive com votos da base do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Agora, o texto segue para a Câmara dos Deputados.

A União já banca os salários de 16,3 mil servidores de ex-territórios, cujo vínculo foi reconhecido a partir de 2015. A remuneração média é de R$ 9.700, segundo dados oficiais do governo, mas há cargos em que os vencimentos chegam a R$ 30,9 mil mensais.

Técnicos estimam que a PEC aprovada no Senado pode deflagrar 50 mil novos pedidos de incorporação, sob critérios mais flexíveis.

Se todos forem atendidos e a média salarial ficar no mesmo valor, haverá um incremento de R$ 485 milhões à folha mensal, o que resultará em um gasto adicional de R$ 6,3 bilhões ao ano (já considerando o 13º salário).

As cifras finais podem variar porque as solicitações passam por um rigoroso processo de checagem de documentos e preenchimento de requisitos, e parte pode ser indeferida. Além disso, a depender dos cargos ocupados pelos novos servidores, a média salarial pode ficar acima ou abaixo do valor atual.

A conta, no entanto, indica a ordem de grandeza dos recursos envolvidos na discussão. Como os salários são despesas obrigatórias, o governo poderia ter de cortar verbas de outras áreas para honrar esse compromisso sem descumprir regras fiscais, como o recém-sancionado arcabouço fiscal.

Por isso, uma ala do governo tem atuado na expectativa de limitar o alcance da PEC, até agora sem sucesso.

A proposta foi originalmente apresentada em 2018 pelo senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), hoje líder do governo no Congresso Nacional.

Segundo ele, houve um acordo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para que o tema fosse votado às vésperas do aniversário de criação do território do Amapá, celebrado em 13 de setembro.

“Conversei com a ministra Esther [Dweck, da Gestão]. O maior problema eram as emendas [apresentadas]. Eventuais ajustes faremos na Câmara”, disse Randolfe na noite de quarta-feira (12), quando houve a aprovação da proposta.

Se validada pela Câmara, será a quinta emenda constitucional promulgada com o objetivo de ampliar as possibilidades de incorporação de servidores dos ex-territórios. A primeira foi aprovada em 1998, seguida por outras mudanças feitas em 2009, 2014 e 2017.

São alcançados Amapá, Rondônia e Roraima, antigos territórios federais que foram transformados em estados da Federação na década de 1980.

Na ocasião da conversão, os servidores foram admitidos nos quadros estaduais, mas o Congresso buscou assegurar a esses grupos a opção de se tornarem funcionários da administração federal (admitidos em quadro em extinção).

Ao optar pelo vínculo com a União, esses funcionários têm acesso a remunerações mais elevadas, maior estabilidade na carreira e possibilidade de trânsito por diferentes estados.

Dados do Painel Estatístico de Pessoal mostram que, dos 16,3 mil servidores de ex-territórios já reconhecidos pelo governo federal, 8.279 seguem nos três estados beneficiados, enquanto outros 8.073 estão no Distrito Federal —muitas vezes por interesse do próprio governo em aproveitar esses quadros para suprir carências de mão de obra.

A proposta original de Randolfe busca corrigir o que o senador interpreta como uma distorção.

Rondônia foi transformado em estado em 1981, e a legislação assegura financiamento da União para bancar a folha de servidores que atuaram nos dez anos seguintes, até 1991.

Amapá e Roraima foram convertidos em estados na Constituição Federal de 1988, mas o prazo dado para o apoio federal foi de cinco anos, até 1993.

Conversei com a ministra Esther [Dweck, da Gestão]. O maior problema eram as emendas [apresentadas]. Eventuais ajustes faremos na Câmara

senador e líder do Governo no Congresso

O senador, hoje líder do governo, defende a equiparação entre os estados pelo prazo maior de dez anos.

O problema é que, além da ampliação do prazo, a PEC ganhou na tramitação uma série de emendas que flexibilizaram ainda mais os critérios de admissão desses servidores.

Hoje, os indivíduos precisam comprovar, com documentos da época do serviço prestado, a existência de vínculo por pelo menos 90 dias ininterruptos.

Uma das mudanças permite que esse período seja fatiado, ou seja, se ao longo de uma década o funcionário atuou em diferentes intervalos que somam ao menos 90 dias, ele poderá ser reconhecido como servidor federal, com direito à estabilidade.

Outra alteração concede aos funcionários dos ex-territórios a possibilidade de serem enquadrados em cargo mais elevado caso comprovem ter havido desvio de função quando atuaram nos estados.

Isso significa que um servidor de área administrativa poderá ser admitido nos quadros da União como auditor-fiscal, cuja remuneração final beira os R$ 30 mil mensais, caso tenha havido o desvio de função.

Hoje, o enquadramento é feito pelo cargo equivalente ao ocupado no ex-território, levando em conta também a escolaridade —no exemplo, seria em nível administrativo, com salário de até R$ 5.000 mensais.

Os pedidos de reconhecimento de vínculos são atualmente analisados no governo pela Comissão Especial dos ex-Territórios Federais de Rondônia, do Amapá e de Roraima. Desde sua instalação, em 2015, até hoje, o colegiado recebeu 77 mil processos, abertos a partir das emendas constitucionais aprovadas até 2017.

Desses, cerca de 16 mil foram deferidos, enquanto outros 7.000 seguem pendentes de análise. Mais de 50 mil foram rejeitados. A análise é minuciosa: cada processo é analisado de forma individual, para que haja a verificação dos documentos.

A avaliação dentro do governo é de que o reconhecimento de vínculos com servidores de ex-territórios é, em boa parte dos casos, uma medida justa. No entanto, a PEC é vista como uma tentativa de viabilizar um verdadeiro “trem da alegria” ao flexibilizar os critérios e dificultar os indeferimentos.

O governo ainda vai tentar derrubar as emendas durante a tramitação na Câmara dos Deputados.

IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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