PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A PEC que limita decisões individuais no STF (Supremo Tribunal Federal), encampada pela maioria dos senadores sob grita dos ministros da corte, “vai na direção correta”, mas não dá para descolá-la de “forças obscuras” interessadas “numa espécie de vingança” contra o Supremo.
A opinião, do professor de direito constitucional da USP e colunista da Folha Conrado Hübner Mendes, deu o tom da primeira mesa deste sábado (25) da Casa Folha: se formos avaliar as últimas décadas da história brasileira, melhor abandonar perspectivas binárias sobre mocinhos e bandidos nos Três Poderes do país.
Mediada pela repórter Patrícia Campos Mello, a conversa também contou com Oscar Pilagallo, jornalista com prêmio Esso no currículo e que publicou neste ano, pela Fósforo, “O Girassol que nos Tinge: Uma História das Diretas Já, o Maior Movimento Popular do Brasil”. Já Mendes lançou “O Discreto Charme da Magistocracia: Vícios e Disfarces do Judiciário Brasileiro” (Todavia).
Para o docente da USP, a aprovação no Senado da proposta de emenda à Constituição -que acaba com decisões monocráticas sobre a eficácia de uma lei que passou pelo Congresso e foi sancionada pela Presidência- tem gerado uma “gritaria pelo STF completamente desproporcional”.
Quem agradece é Arthur Lira (PP-PI). O presidente da Câmara, por onde a PEC vai tramitar agora, já foi beneficiado por decisão monocrática de Gilmar Mendes. Ganha agora, segundo Mendes, “um enorme trunfo para negociar com o STF”.
Ele pondera, contudo, sobre um risco embutido aqui. Ok, transferir deliberações afins ao colegiado é bom. Mas por que preservar o pedido de vista? O instrumento dá mais tempo para um ministro analisar melhor o processo antes de votar e, na prática, pode engavetar uma ação por um semestre. E muita coisa pode acontecer nesse período.
Ele acha que a ferramenta não deveria existir. “[O ministro] quer pensar, tá bom, vota semana que vem. Mas seis meses?”
Mendes discutiu ainda a visão sobre um STF que ora salvou, ora corrompeu a democracia, a gosto da ideologia do freguês. Ela “espelha um pouco a polarização brasileira” e, “como todo binarismo, é pelo menos parcialmente equivocada”.
Sim, a corte teve papel central ante desatinos antidemocráticos -endossados pelo próprio Jair Bolsonaro (PL), então presidente- que ameaçaram colocar em xeque a escolha das urnas em 2022. E o ministro Alexandre de Moraes, também à frente do Tribunal Superior Eleitoral no período eleitoral, foi peça-chave aqui.
Mas o tribunal também “deixou de tomar um número enorme de decisões importantes” nos últimos anos, como a proteção de terras indígenas durante a pandemia, lembra.
A carta branca que teve para blindar a democracia “não deixou de justificar abusos”, segundo Mendes. Ele cita decisões tomadas após os ataques de 8 de janeiro em Brasília. “Chegou prendendo todo mundo, as velhinhas de Taubaté presas na Papuda, enquanto grandes cadeias de poder econômico e político estão livres.”
Se Mendes tratou de um momento de tensão na nossa jovem democracia, Pilagallo falou de uma distensão fundamental para arrancar o Brasil de garras ditatoriais.
Em seu livro, ele repara que nenhum protesto recente, das jornadas de junho de 2013 ao “ele não” anti-Bolsonaro, passando pelo “fora Temer” e por manifestações pró e contra Dilma Rousseff, tiveram o consenso social angariado pelas Diretas Já. E questionou: é viável conceber algo parecido numa sociedade tão polarizada?
Pilagallo não está otimista. Não vê no horizonte “alguma coisa que possa ser consensual” assim e lista fatores que colaboraram para a união vista há quatro décadas.
“Mesmo quem inicialmente apoiou [o regime militar] já sentia os efeitos negativos da crise prolongada, a base de apoio esgarçou.” A ditadura chegou bem capenga aos anos 1980.
Outro fator crucial, diz, foi “a pauta mínima” do movimento. “É muito difícil não concordar com ideia de que sociedade deveria eleger presidente. Não ia além disso, ninguém estava falando que tipo de democracia deveria surgir.”
Ele rememora que a esquerda da época, com PT, PDT e parte do PMDB (atual MDB), não endossou de cara as Diretas. Preferia algo nos moldes de uma Assembleia Nacional Constituinte “que varreria o entulho autoritário”. Mas essa proposta, afirma, “já não era tão clara” e tinha menos adesão.
Uma diferença dos protestos de hoje e ontem: “Não havia internet, redes sociais, nada disso”. O papel da imprensa pesava muito, com destaque para o engajamento da Folha nas Diretas. “Hoje a comunicação está pulverizada. Na época, sem esses meios, a única maneira era ir pra rua. Hoje você dá um like e, de certa maneira, está achando que já fez o seu papel para defender a democracia.”
ANNA VIRGINIA BALLOUSSIER / Folhapress