BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A extradição de brasileiros foragidos das investigações sobre o 8 de janeiro que estão na Argentina deve se prolongar por dois motivos, segundo especialistas, investigadores e pessoas com acesso à apuração.
Um deles são os pedidos de refúgio no país feito pelos brasileiros, o que aumenta o tempo de trâmite do processo. Embora sem o número exato, integrantes do governo dizem que foragidos já requisitaram refúgio ao país vizinho, comandando por Javier Milei, aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O outro é o fato de que os pedidos serão feitos pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que tem sido acusado pelos bolsonaristas de perseguição política. O tratado entre os países proíbe extradição em casos de crime considerados políticos “ou fato conexo deste delito”.
A Polícia Federal prepara uma lista com os nomes dos foragidos para encaminhar ao STF e iniciar os processos de extradição de mais de 60 pessoas investigadas pelos ataques golpistas.
Na extradição ativa, quando o Brasil pede a extradição a outro país, o juiz do processo, no caso Alexandre de Moraes, envia ao Ministério da Justiça a documentação relativa ao pedido.
A análise desse material é feita pelo DRCI (Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional) para ver se contempla o estatuto do estrangeiro e o tratado de extradição que possa existir entre os países.
Em caso de análise positiva, o pedido formal é encaminhado pelo DRCI ao país por meio do Ministério das Relações Exteriores.
O acordo válido entre os países é de 1968, de acordo com integrantes do governo Lula (PT). O Mercosul elaborou depois um novo acordo para as nações que o compõem, mas ele ainda não foi incorporado pela Argentina. Bolsonaro também atualizou o pacto com o país vizinho, mas ele ainda não foi aprovado pelo Congresso por isso, vale o tratado mais antigo.
O problema de pedidos de refúgio feitos pelos brasileiros é que, pela legislação, eles travam o processo de extradição, uma vez que precisam ser analisados antes pela Justiça argentina.
No sábado (8), a ministra de Segurança da Argentina, Patrícia Bullrich, disse não ter informações sobre os brasileiros foragidos no país nem se pediram refúgio.
Como os processos de refúgio são sigilosos, a PF não tem o número exato de pedidos efetuados pelos foragidos. Mas investigadores e integrantes do governo relataram à Folha terem informações de que foram feitos dezenas de pedidos desse tipo.
O pedido é demorado e pode travar a extradição dessas pessoas, como afirma o advogado especialista em ciências criminais Berlinque Cantelmo.
“Se um indivíduo, na concepção da Argentina, cometeu um crime político, ele já reúne o requisito de concessão do asilo ou do refúgio. Sendo concedido, o processo de extradição perde o objeto”, afirma.
Para ele, o viés conservador do atual presidente, Javier Milei, pode favorecer o refúgio aos foragidos. Uma vez aceito, o processo para trazê-los de volta ao Brasil torna-se mais lento. O advogado diz que, em casos menos complexos, esse andamento dura entre seis meses e dois anos.
“Para a concessão efetiva do refúgio, o governo argentino irá ouvir o governo brasileiro. Então certamente o governo brasileiro, em razão da tramitação burocrática disso tudo, vai demorar a dar uma resposta, mesmo porque o governo argentino precisará conhecer todo o processo.”
Uma possibilidade para sinalizar o interesse do Brasil em dar celeridade aos casos é pedir, antes da extradição, a prisão preventiva dos foragidos.
Os pedidos também são feitos pelo juiz, no caso Moraes, e enviado por meio do DRCI para as autoridades argentinas. Após o pedido abre-se o prazo para a solicitação de extradição, mas também nesse caso o andamento depende da existência do pedido de refúgio.
Os brasileiros foragidos na Argentina são parte dos 208 alvos de mandados de prisão ou uso de tornozeleira eletrônica expedidos por Moraes e cumpridos pela PF na última quinta-feira (6).
Embora eles não se enquadrem em crime de opinião, pessoas ouvidas pela Folha dizem que o “fator Moraes”, que tem sido acusado por bolsonaristas de perseguição política, pode influenciar o andamento das extradições no país governado por Javier Milei, apoiador declarado de Bolsonaro.
Conforme o tratado de extradição, decreto em que constam determinações para casos assinado entre países como o Brasil e a Argentina, foragidos por crimes políticos não podem ser extraditados. Caso a análise do Judiciário argentino considere que os crimes cometidos sejam de natureza política, e que há um fundo de perseguição, o país pode negar extraditar os foragidos e ainda lhes conceder refúgio.
Na análise do advogado Cezar Eduardo Ziliotto, especialista em direito constitucional, em casos como este, em que os dois governos não estão alinhados diplomaticamente, a narrativa política pode acabar se sobrepondo à judicial.
O que pode reverter o cenário de recusa da extradição é se a legislação argentina entender que os delitos se configuraram crimes comuns e se sobrepuseram ao crime político, o que permitiria a extradição.
“Em tese seria possível abstrair essa questão se a Argentina considerar que houve, por exemplo, crimes contra a ordem, que eventualmente se enquadraria em dano ao patrimônio público, e aí dependeria de ver na legislação argentina qual é a pena, para ver se ela justificaria ou não a extradição”, diz Zilliotto.
No caso de recusa da extradição, o Brasil poderia levar a discussão para o tribunal penal internacional. No entanto, o especialista Berlinque Cantelmo diz que, neste caso, deve ser difícil avançar, pois a postura do tribunal penal internacional costuma ser de afastamento das discussões voltadas a acordos bilaterais (entre dois países). A interferência fere o princípio da independência das relações.
Um caso recente de foragidos internacionais envolve o pedido de extradição do blogueiro bolsonarista Allan dos Santos, feito por Moraes e negado parcialmente pelos Estados Unidos.
Os americanos entenderam os delitos como crimes de opinião, que estariam garantidos no direito à liberdade de expressão. Na legislação brasileira, os crimes dessa categoria se encaixam no mesmo impedimento que os de crimes políticos, em que não se pode haver a extradição. Por isso, os americanos pediram mais informações sobre crimes comuns cometidos por Allan, que podem levar à extradição.
JULIA CHAIB E MARIANA BRASIL / Folhapress