Pedrinhas melhora estrutura 10 anos após massacre, mas ainda sofre com violência

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Daniela de Kele subiu afobada por quatro andares de escada só de cimento até chegar à casa de uma colega em São Luís, no Maranhão, no dia 9 de outubro. Era fim de tarde e tinha acabado de chegar do trabalho da faxina com o cabelo amarrado, um vestido preto e branco e uma chinela.

Daniela foi chamada pela colega para ver se queria contar a história do marido, Jhony Martins Barros, 36, que perdeu em março deste ano a visão do olho direito e teve três ossos quebrados após um agente penal dar um tiro de borracha contra o seu rosto.

Ao sentar-se no sofá para falar com a reportagem, ela carregava consigo o peso de uma decisão difícil. O medo é do futuro. O que a Folha mais escutou durante a apuração da reportagem pelos estados é que o que se faz do lado de fora recai nos detentos.

Barros está no Complexo Penitenciário São Luís, conhecido como Pedrinhas. O local completou em 2023 dez anos do início de um dos piores massacres da história do sistema prisional, deixando 64 mortos entre 2013 e 2014.

A reportagem visitou o complexo por dois dias e foi unânime entre membros do presídio, e até familiares, que a segurança e a estrutura tiveram melhora significativa nesse período, assim como os gestores conseguiram organizar os faccionados e oferecer mais vagas de estudo e emprego.

Diferentemente de outros estados, o Maranhão tem apenas três das 47 unidades com mais número de presos que de vagas. A superlotação tem trazido diversos problemas como o aliciamento de mais pessoas para as facções e até privação de direitos fundamentais.

Daniela decidiu quebrar o silêncio, encarando a possibilidade de retaliação, como sua última tentativa de alterar o curso que se desenha para a história de seu marido: o risco iminente de perder a visão dos dois olhos. Ele está com 40% da outra vista comprometidos.

O detento cumpre pena em regime fechado por tentativa de assalto desde junho de 2020.

Era início da noite do dia 13 de março, por volta das 18 horas, quando agentes penais chegaram ao pavilhão a procura de um celular. Barros foi o último a sair e pediu para que ligassem o “sol”, termo usado pelos detentos para se referir à luz na prisão. No instante em que a luz se acendeu, uma bala atingiu seu rosto.

Como ele não era tirado da cela, quatro pavilhões se uniram para que ele fosse removido dali. Segundo as pessoas que estavam no local contaram a Daniela, não havia motivo para que o agente utilizasse uma arma porque o detento se encontrava dentro de sua cela, onde não havia nenhuma confusão.

A Seap (Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Maranhão) dá uma versão diferente e diz que o interno descumpriu a ordem de comando durante procedimento de segurança, recusando-se a sair da cela.

Daniela só foi avisada no dia seguinte que ele tinha sido levado ao hospital por volta das 21h. O detento passou por cirurgia, mas ainda tem sofrido as consequências do episódio. “Ele está bem magro, não come, está doente e eu não sei o que fazer”, disse.

A Seap entretanto diz que a equipe de enfermagem do estabelecimento penal foi acionada, prestou a assistência necessária e em seguida, o interno foi levado ao hospital. Alega ainda que dá todo o suporte em saúde, viabilizando consultas médicas e oftalmológicas, exames. O agente penal foi exonerado.

Na visita a Pedrinhas, alguns detentos foram ouvidos reservadamente. As queixas mais frequentes referem-se à hostilidade por parte dos policiais.

Internos dos presídios feminino e masculino expressam descontentamento também com a qualidade da comida e a escassez de itens de higiene. Alguns evidenciaram a necessidade urgente de consultas com médicos especialistas.

O detento Adelson Gusmão dos Santos foi diagnosticado com tuberculose em 2017 e morreu três anos depois em decorrência da doença. Segundo Vanessa, nome fictício, ele ficou magro rapidamente, tinha febre com frequência. A família alega negligência por parte do sistema prisional porque na época havia falta constante de medicamentos.

“O diretor do presídio chegou a falar para o advogado que ele não estava bem, mas a prisão domiciliar foi negada pela Justiça. No dia que ele morreu os outros presos tiveram que bater nas grades para tirá-lo da cela, disseram que ele saiu morto”, disse.

O secretário de Administração Penitenciária do Maranhão, Murilo Andrade de Oliveira, disse que nos últimos dois anos o sistema prisional tem avançado na pauta da saúde, sendo que 90% dos casos conseguem ser resolvidos dentro do sistema prisional. Esses 10% que dependem de operação ou exame precisam entrar na fila normal do SUS e esperam sua vez para serem atendidos.

Sobre a violência penal dos servidores, disse ser praticamente zero e casos são isolados.

Embora persistam esses desafios, é notório que, nos últimos 10 anos desde o massacre, houve mudanças significativas na estrutura e na segurança. Inclusive, os presídios do Maranhão estão servindo de modelo para outros estados. Neste ano, o Maranhão teve 13 estabelecimentos penais entre os 30 melhores em ranking da Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais).

Durante a visita, a reportagem circulou livremente pela estrutura do complexo, visitou celas, pátios, área de atendimento médico, de projetos de ressocialização. Não foi permitida a entrada nas unidades Regional e São Luís 5, a equipe alegou não ter estrutura de segurança suficiente por ser dia da saída temporária.

Dentre as mudanças, o presídio separou as unidades prisionais por grupos que se identificam evitando conflitos como o que ocorreram no passado. No estado há a presença do Comando Vermelho, PCC (Primeiro Comando da Capital), PCM (Primeiro Comando do Maranhão) e Bonde dos 40.

Oliveira afirma que hoje a secretaria é dividida em quatro pilares: segurança, atendimento e humanização, modernização e infraestrutura. Na primeira parte houve uma grande reestruturação. A secretaria fez concursos, tirou empresas terceirizadas e criou carreiras.

“A infraestrutura era a pior possível, o local era insalubre, com esgoto a céu aberto, só tinha cela no complexo, começamos a reformar, ampliar, espaços para sala de aula, oficina de trabalho. Partimos primeiro para segurança e para a modernização e infraestrutura”, disse.

Agora, o foco é na humanização e o oferecimento de vagas de trabalho e estudo. O estado se destaca como uma das mais elevadas taxas de ocupação laboral entre sua população prisional. Atualmente, a população carcerária no Maranhão totaliza 11.643 indivíduos, sendo que 4.683 deles estão envolvidos em atividades laborais dentro e fora do sistema prisional.

No entanto, o próprio secretário assumiu que ainda faltam vagas de trabalho. “Depende da região ainda tem esse problema de trabalho, o que não acontece com a educação. Todos que querem, conseguem e tem um leque de oportunidades desde a alfabetização até o ensino superior”, disse.

Dentro desse contexto, diversas frentes de trabalho vêm sendo desenvolvidas, abrangendo setores como a produção de blocos, fabricação de móveis, montagem de conjuntos escolares e cadeiras de escritório, malharia, padaria, digitalização de documentos, artesanato e serviços de manutenção.

Essa diversificação de oportunidades laborais não apenas contribui para a ocupação dos detentos, mas também fomenta a ressocialização e a aquisição de habilidades profissionais, como é o caso do detento Glauber Francisco Lopes Lima, 38.

Ao ingressar no sistema em 2010 e sair em 2012, Lima retornou quatro anos depois para a prisão por conta de um assalto. Ele começou a trabalhar em 2017 e, atualmente, desempenha atividades na fábrica de móveis planejados do estado.

“Não tinha ressocialização, não tinha nada para oferecer para nós da primeira vez que entrei no sistema prisional. Depois que o estado começou a trazer esses projetos foi uma maravilha porque nós reduzimos a pena, somos remunerados. Estou mais pronto para sair”, disse.

RAQUEL LOPES E PEDRO LADEIRA / Folhapress

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