Penduricalho inflou salário no Ministério Público em R$ 439 milhões de 2019 a 2022

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Criada em 2017, a possibilidade de conversão em dinheiro da licença-prêmio no Ministério Público da União custou aos cofres públicos ao menos R$ 439 milhões de 2019 a 2022, mostra levantamento inédito da Transparência Brasil.

O relatório da organização, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso, mostra que o benefício —90 dias de folga remunerada a cada cinco anos de trabalho— foi transformado em pagamento em dinheiro para 85% dos procuradores que compõem o MPU: Ministério Público Federal, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Militar e Ministério Público do Distrito Federal e Territórios.

O valor, que por ser de caráter indenizatório não se submete às regras do teto salarial do funcionalismo, dá uma média de R$ 184 mil para cada um dos mais de 2.000 procuradores que recorreram ao benefício em dinheiro e representa 9% da soma de todas as remunerações líquidas pagas no período.

Um total de 499 procuradores recebeu cada um mais de R$ 300 mil nos quatro anos.

A possibilidade de conversão em dinheiro da licença foi autorizada pelo CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) em agosto de 2017, no final da gestão de Rodrigo Janot na Procuradoria-Geral da República. O PGR também preside o CNMP.

A sucessora, Raquel Dodge, baixou em novembro daquele ano portaria regulamentando o pagamento a integrante da ativa mediante três condicionantes: “exame de conveniência e oportunidade pelo administrador”, “existência de interesse público prévia e devidamente fundamentado” e disponibilidade orçamentária.

De acordo com o levantamento da Transparência Brasil, a concessão do benefício atingiu seu ápice (R$ 143 milhões) em 2021, na gestão de Augusto Aras.

O atual PGR, Paulo Gonet, tomou posse do cargo na última segunda-feira (18).

De acordo com dados colhidos pela Folha de S.Paulo na plataforma DadosJusBr —plataforma da Transparência Brasil que reúne dados de remuneração dos órgãos do sistema de Justiça brasileiro—, Gonet e Dodge tiveram licenças-prêmio transformadas em pagamento em dinheiro nos quatro anos que vão de 2019-2022. Aras, em 2019 e 2020. Janot se aposentou em 2019.

“O benefício se tornou o maior montante na folha de pagamento, atrás somente do subsídio, 13° salário e férias, que são rubricas de remunerações básicas do cargo efetivo”, diz o relatório. “É preciso que a atuação do conselho [CNMP] seja orientada inequivocamente pela estrita finalidade, razoabilidade e proporcionalidade na distribuição de recursos públicos sob a forma de benefícios, para evitar e combater a proliferação de regalias que sequer contribuem para o bom funcionamento da instituição.”

A licença-prêmio (que existia para os servidores federais, mas foi extinto em 1997) só era convertida em dinheiro em caso de morte. Em 2017, porém, o CNMP permitiu que qualquer procurador na ativa solicitasse o benefício em dinheiro.

A Transparência Brasil destaca que a licença-prêmio é paga majoritariamente no último trimestre do ano, mediante disponibilidade financeira. “Isso incentiva um arrocho na elaboração e execução orçamentária de ações estratégicas do MPU para poder contemplar o maior número de membros com a conversão em pecúnia”, diz o relatório da organização, que recomenda a Gonet adotar medidas para extinguir o pagamento das licenças em dinheiro.

Em relação aos dados de 2023, o relatório da Transparência afirma que há ainda há subnotificação e que os dados de janeiro a setembro mostram que R$ 24,8 milhões já haviam sido pagos a título de licença-prêmio.

Em nota, a assessoria da PGR afirmou que a previsão de licença-prêmio e a possibilidade de conversão em pecúnia constam na lei e em resolução do CNMP e que os pagamentos dependem de diversos fatores, “como o aumento no volume de trabalho sem acréscimo da força de trabalho (em média o fluxo anual de processos aumentou em 1 milhão)”.

“Também consideram a disponibilidade orçamentária no fim dos exercícios fiscais, com o propósito de evitar acúmulo de passivo para a instituição.”

Não houve resposta sobre as razões que levaram Gonet a requerer a conversão do benefício em dinheiro nos últimos anos.

O CNMP e a Associação Nacional dos Procuradores da República não responderam.

A reportagem procurou os ex-PGRs Janot, Aras e Dodge, mas ou não conseguiu contato ou não houve resposta.

Como a Folha de S.Paulo mostrou no último dia 12, o CNMP aprovou em 28 de novembro uma resolução que fará com que pessoas que consultem na internet salários de procuradores e promotores sejam obrigadas a se identificar.

A medida cria um obstáculo à transparência e um possível constrangimento a quem fizer a consulta.

RANIER BRAGON / Folhapress

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