PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – Quase 12 anos depois do “arpocalipse”, apelido no exterior para o alto nível da poluição no início de 2013, o ar em Pequim está distante da fumaça espessa e escura e do cheiro de metal, como recordam moradores da capital chinesa. Respirar com dificuldade era uma realidade quase cotidiana e semelhante, embora por outros motivos, ao que boa parte do Brasil tem vivido sob efeito de queimadas e da seca.
À época, entre outras medidas desesperadas, autoridades municipais chegaram a apelar às pessoas que não usassem fogos de artifício no Ano-Novo chinês, naquele mês de fevereiro.
A consciência da poluição do ar chegou anos antes para Zhao Yueqing (ou Marilyn), 45, formada em finanças pela Universidade Renmin. Ainda universitária, ela escalou com uma amiga as montanhas a oeste de Pequim e olhou do alto.
“Então eu vi o cobertor escuro sobre a cidade”, conta. “Pequim não tinha céu.” Na mesma época, fez uma viagem de trem em que percebeu pela primeira vez, no entorno da cidade, as fábricas “tão sujas, com fogo”.
Uma década atrás, já com um dos filhos no ensino fundamental, recebeu um aviso da escola orientando que ele ficasse em casa devido à poluição. “Meu menino ficou em casa muitas vezes.” A escola era pública e, diferentemente das particulares, ainda não tinha máquinas para filtrar ar. Os pais, então, juntaram-se para comprar uma.
Também surgiram mais máscaras pelas ruas, mas, segundo ela, eram sobretudo de estrangeiros. A proteção facial para evitar o sol ou não transmitir gripe é comum há décadas entre chineses e por todo o leste da Ásia.
“Pouco depois, as autoridades começaram a trabalhar contra a poluição do ar, e então ela diminuiu”, diz Marilyn. As fábricas e usinas a carvão que cercavam Pequim foram fechadas ou substituídas por energia a gás, com resultado em poucos anos. “Esse foi talvez um dos movimentos mais significativos no controle da qualidade do ar, no início”, diz o especialista em meio ambiente Nick Wang, de Pequim.
“O projeto da administração central, que é essencialmente um documento intitulado ‘Vença a batalha para defender o céu azul’, foi um dos principais fatores que levaram ao fechamento das fábricas de indústria pesada e das usinas a carvão em Pequim e arredores, até mesmo na província de Hebei.”
As usinas eram voltadas em grande parte ao aquecimento no inverno, coincidindo com o auge anual da poluição. Na sequência, relaciona Wang, “os veículos elétricos e trens foram sendo desenvolvidos e, também com mais processo de eletrificação, contribuíram bastante para o controle da qualidade do ar”.
Marilyn comprou uma scooter elétrica, veículo que começava a se espalhar pela cidade, para se locomover e levar os filhos à escola. Quase ao mesmo tempo, a frota de táxis foi renovada, trocando a sul-coreana Hyundai a gasolina pelo elétrico Beijing.
Também os ônibus a diesel foram eletrificados, e os caminhões maiores foram afastados da área urbana. Outro impacto veio com a expansão rápida do metrô de Pequim, que passou a disputar com Xangai o primeiro lugar em extensão no mundo.
“Houve uma grande mudança alcançada na China com a redução drástica da poluição, e em Pequim nós temos desfrutado de uma qualidade de ar muito melhor do que antes”, afirma o fotógrafo Zou Yi, que em 27 de janeiro de 2013 passou a fotografar diariamente a cidade, do alto de um viaduto.
Ele produz quadros comparativos entre as fotos acumuladas naquele ano e nos anos seguintes, evidenciado o céu cada vez mais azul, predominante agora.
Marilyn diz, porém, que as tempestades de areia que se formam na Mongólia Interior, região chinesa próxima de Pequim, e na própria Mongólia, “certamente virão” na virada deste ano.
Ela afirma ter observado meses atrás na Mongólia Interior, ao visitar uma tia e andar a cavalo, que a grama era muito baixa. “Meu sobrinho e meu primo disseram que ela não está boa neste ano por causa da falta de chuva. Isso significa mais areia.”
Hoje, os moradores de Pequim estão bem mais atentos à qualidade do ar. Foram distribuídos mais de mil sensores na capital, a partir de 2016, numa rede integrada de monitoramento. Marilyn mostra seu smartphone Huawei. Junto com a previsão de temperatura e da chuva, o aparelho agora traz a estimativa da poluição do ar, para toda a semana.
NELSON DE SÁ / Folhapress