Perdas humanas lideram custos associados à crise do clima, mostra pesquisa

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A maior parte dos custos de eventos extremos atribuíveis à crise do clima é relacionada a perdas humanas. O gasto climático de 2000 a 2019 foi de US$ 143 bilhões por ano (cerca de R$ 722 bilhões pela cotação atual), dos quais 63%, o equivalente a US$ 90 bilhões anuais, são custos humanos monetários estimados —além do óbvio custo humanitário em si: a perda de uma vida.

Para efeito de comparação, o PIB brasileiro em 2022 foi de R$ 9,9 trilhões em 2022.

Os pesquisadores se concentraram nos eventos que estivessem diretamente associados à crise do clima. Para isso, olharam para os estudos de atribuição climática —um exemplo desse tipo de pesquisa é a análise que apontou que a mudança do clima aumentou 100 vezes a chance da onda de calor recente no Brasil.

Para o estudo, publicado em setembro, na revista Nature Communications, foi usada uma base de dados de 185 eventos extremos de 2000 a 2019. Nesses eventos, foram registradas 60.951 mortes atribuíveis à crise climática.

Segundo a pesquisa, pensando em danos associados à crise do clima, a maior parte (mais de 64%) são relacionados a tempestades (entra nessa conta, por exemplo, o furacão Harvey). Em seguida, aparecem as ondas de calor, responsáveis por 16% dos danos; completam a lista enchentes e secas (10%) e incêndios florestais (2%).

Com os dados em mãos, os cientistas puderam calcular os custos relacionados à mudança climática no mundo.

O ano de 2001 foi o com menor custo, com prejuízo de US$ 23,9 bilhões. A dianteira é de 2008, com US$ 620 bilhões.

Considerando o período em questão, os maiores custos relacionados à crise climática ocorreram, de forma predominante, em anos com alta mortalidade por eventos extremos. Foram eles: onda de calor na Europa, em 2003; o ciclone tropical Nargis em Mianmar, em 2008; e a onda de calor na Rússia e a seca na Somália em 2010.

Pensando só nos danos causados, sem contar vidas perdidas, os piores prejuízos ocorreram em 2017 e 2005, e foram relacionados, basicamente a furacões nos EUA. Em 2005, os furacões Katrina, Rita e Wilma causaram cerca de US$ 123 bilhões em danos. Em 2017, os furacões Harvey, Irma e Maria deram prejuízo de US$ 139 bilhões, segundo os pesquisadores.

Os cientistas, para esse estudo, consideraram o “valor de uma vida estatística” único para as mortes relacionadas a eventos extremos. Tal custo seria de US$ 7,08 milhões por vida perdida, o que, segundo eles, equivale a um valor não muito distante da média considerada fora dos EUA.

Tal “valor de uma vida estatística”, porém, é um dado baseado, em linhas gerais, em uma relação entre diminuição de risco de mortalidade e dinheiro, portanto, um número que muda de acordo com diversos fatores. Um desses é o padrão de renda dos países, ou seja, se são nações ricas ou mais pobres.

Esse dado costuma ser usado por governos para planejamento de alocação de recursos, como em melhorias de segurança em rodovias.

Vale ressaltar, porém, que os valores determinados pelos cientistas não consideram custos indiretos tanto em vidas humanas —levando em conta questões como de saúde física e mental, bem-estar, e perda de produtividade— quanto em custos gerais, como prejuízo em pequenos negócios, desemprego temporário e quebra de cadeias de suprimentos. Os pesquisadores apontam a dificuldade de mensuração desse tipo de impacto indireto.

“O custo econômico usado nessa pesquisa subestima os verdadeiros custos das mudanças climáticas no período observado”, afirmam os autores.

Segundo os cientistas, esse tipo de estimativa, junto a melhores dados econômicos, pode ajudar a melhorar as presunções de custos derivados da crise climática e, “assim, formar a base de quantificação de alocação a partir do Fundo para Perdas e Danos”.

Tal fundo foi produto da COP27, a conferência da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre mudanças climáticas, que ocorreu no ano passado em Sharm El-Sheikh, no Egito. Basicamente, trata-se de uma fonte de recursos para reparação de perdas e danos climáticos, como o nome diz, para países “particularmente vulneráveis”.

Os cientistas concluem que, para diminuir os custos com eventos extremos nas próximas décadas, há necessidade de aumentar a mitigação —ou seja, cortar emissões— ou aumentar as medidas de adaptação climática.

“Preferencialmente, ambos”, escrevem os autores. “Adaptação pode fazer, agora mesmo, uma diferença considerável no impacto econômico de eventos climáticos extremos atribuídos à mudança climática. As políticas de adaptação podem incluir o desenvolvimento de infraestrutura, como proteção contra enchentes ou a melhoria dos sistemas de sinalização de alerta precoce para eventos climáticos extremos.”

MAIS POBRES TÊM MENOS ESTUDOS CLIMÁTICOS

A pesquisa aponta que países de renda elevada tiveram os maiores custos, especialmente por causa das tempestades que afetam os EUA. Mas, dizem os autores, a distribuição das despesas também é associada à disponibilidade de dados.

Basicamente, as nações mais ricas têm mais recursos e, consequentemente, mais capacidade para dispor de dados econômicos sobre eventos extremos.

Além disso, os cientistas apontam que ainda há lacunas de estudos de atribuição em importantes classes de eventos extremos e que esse tipo de pesquisa é mais comumente realizado em países de renda alta.

Por exemplo, somente 8% dos estudos de atribuição climática na base de dados usada para o estudo publicado na Nature Communications são relacionados a eventos que ocorreram no continente africano. Enquanto isso, 23% são relacionados à América do Norte e 25%, à Europa.

De toda forma, os pesquisadores, com os dados disponíveis, buscaram ver, a partir de valores relativos ao PIB, o peso dos eventos extremos atribuíveis à crise do clima. Levando esse parâmetro em conta, viram que tais custos são mais sentidos nos países mais pobres.

O estudo aponta que, enquanto para as nações mais ricas o custo climático ficou na casa de 0,2% do PIB por ano, para as mais pobres, em média, foi de cerca de 1% do produto interno bruto.

“Essa diferença é quase inteiramente impulsionada pelos altos níveis de perda de vidas em países de baixa renda, o que pode ser resultado de menos sistemas de alerta precoce e procedimentos de segurança implementados nessas áreas”, afirmam os autores.

PHILLIPPE WATANABE / Folhapress

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