SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Três estados do Brasil concentram quase metade dos cerca de 565 mil imóveis da União registrados em terrenos de marinha. Essas áreas estão no centro da polêmica da chamada “PEC das Praias”.
Levantamento da Folha de S.Paulo com dados da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) mostra que existem 109.346 propriedades desse tipo cadastradas em Pernambuco, o equivalente a quase 20% do total.
O Rio de Janeiro aparece logo atrás (108.721), seguido mais abaixo por São Paulo (61.998).
Terrenos de marinha são faixas de 33 metros de largura a partir da média das marés altas observadas em 1831 no litoral e em outras regiões que sofrem influência do nível das águas, como manguezais, rios e lagos. Por isso, alguns desses imóveis podem estar a muitos quilômetros da costa.
Os dados da SPU analisados também incluem o patrimônio público localizado nos terrenos acrescidos de marinha, caso dos aterros, por exemplo.
Por estarem nessas áreas especiais, os imóveis e terrenos pertencem à União. Mas ela pode ceder o uso a pessoas, empresas e instituições. Quase todas as propriedades estão sob concessão a terceiros (99,5%) e localizadas em cidades litorâneas (94,5%).
Os registros atuais, porém, são apenas uma amostra, pois representam cerca de um quinto do total estimado pela SPU, de até 2,9 milhões. A inclusão no cadastro da secretaria, vinculada ao Ministério da Gestão e Inovação, depende da demarcação oficial da linha média das marés.
Reportagem da Folha mostrou que a previsão do governo federal é concluir esse trabalho em 2026.
Entre os municípios, o do Recife (PE) é o que tem mais imóveis registrados em terrenos de marinha, com 85.372. O Rio de Janeiro é o segundo do ranking, com 62.434, e Vitória (ES), o terceiro, com 44.271.
A capital capixaba também apresenta a maior concentração relativa à área do município, com média de 456 imóveis por quilômetro quadrado. Na sequência estão Recife, com 390, e Balneário Camboriú (SC), com 375.
A maioria dos imóveis registrados é composta por bens dominiais: aqueles concedidos a particulares para usos como prédios de apartamentos, condomínios ou estabelecimentos comerciais.
Apenas o uso é concedido, no entanto. Quem compra um apartamento em terreno de marinha não passa a ser proprietário, mas sim um enfiteuta. O termo vem de enfiteuse, direito criado ainda na época imperial para o uso do imóvel, como explica o professor de direito constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF) Gustavo Sampaio.
De acordo com ele, “a PEC quer transformar todo mundo em proprietário”, mas a questão econômica, como os valores milionários de apartamentos à beira-mar, sempre teve um peso histórico na questão.
“Para efeito econômico, você é mais proprietário de um apartamento na avenida Atlântica [em Copacabana] ou em Ipanema do que de um em São José dos Campos”, afirma.
Até o momento, a SPU tem cadastrados 565.659 imóveis da União em terrenos de marinha e acrescidos, somando ao todo 17.277 km² de área. Isso corresponde a pouco mais de 11 vezes o tamanho da cidade de São Paulo (1.521 km²).
Além dos bens dominiais, os 2.568 imóveis restantes na conta (0,5%) são de uso especial, ou seja, dedicados a serviços da própria União. São residências oficiais, universidades, portos e aeroportos, quartéis, hospitais e escolas, entre outros.
O principal regime de uso dos terrenos e imóveis é a inscrição de ocupação, com 305.261 registros nessa situação. A categoria presume o aproveitamento do terreno pelos ocupantes, que devem pagar anualmente à União uma taxa correspondente a 2% do valor do imóvel.
Já os aforamentos, classe onde estão os enfiteutas, agrupam 238.641 imóveis. Esse regime é resguardado por contratos nos quais a União atribui o uso dos imóveis a terceiros. O foreiro quem mora em apartamento na beira da praia ou é dono de um empreendimento naquele imóvel, por exemplo paga à União, anualmente, um foro equivalente a 0,6% do valor do imóvel.
Outros usos menos comuns são os imóveis alugados, reservados para uso residencial funcional ou cedidos para uso e lotação de terceiros. Há também casos raros como uma uma residência em São Vicente, no litoral paulista, destinada a usufruto indígena.
LUCAS LACERDA E CRISTIANO MARTINS / Folhapress