Peronismo vive vácuo de liderança e discute seu lugar como oposição na Argentina

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Depois de amargar seu pior resultado nas urnas em 40 anos de democracia, o peronismo vive um vácuo de liderança e começa a discutir quais serão seus novos objetivos e seu papel como oposição na Argentina de Javier Milei, que assume a cadeira presidencial no próximo dia 10.

Dentro da força política, a impressão é de que este é o fim de uma geração de 20 anos, marcada por figurões como o presidente Alberto Fernández e sua vice Cristina Kirchner, e o início de uma nova era. Outra ala acha que ainda é cedo para ter essa discussão diante de um tabuleiro político que segue revirado.

Na visão de seus membros, o futuro do peronismo depende muito do que será o governo de Milei. Ainda há muita incerteza em relação a se o ultraliberal de fato cumprirá suas promessas radicais –como dolarizar a economia, privatizar empresas estatais e acabar com obras públicas– e quem formará sua equipe em meio a idas e vindas.

“Temos a enorme responsabilidade de nos mantermos unidos. O sonho do antiperonismo é nos dividir, mas cada vez que ele conseguiu, quem acabou mal foi o povo argentino”, diz Gustavo Menéndez, presidente do Partido Justicialista (PJ, principal legenda peronista) de 2019 a 2021 que está em seu terceiro mandato como prefeito da cidade de Merlo, nos arredores de Buenos Aires.

Achar consensos, porém, não deverá ser tarefa fácil para uma força tão fragmentada. Convém lembrar que o peronismo é um movimento político fundado na década de 1940 pelo ex-presidente Juan Domingo Perón que, apesar de reunir grupos de esquerda, direita e centro, tem como pilares a figura do trabalhador e a justiça social.

Ele é povoado por diferentes vertentes, como o kirchnerismo, mais direcionado às políticas sociais; o movimento sindical, centrado nos direitos trabalhistas; e até um segmento “menemista” liberal, associado ao governo de Carlos Menem da década de 1990 cujas ideias Milei tem ressuscitado. As fissuras entre essas ideias todas ficaram claras na briga que Fernández e Cristina travaram abertamente nos últimos anos.

“Se você me perguntasse 20 anos atrás, eu teria 20 lideranças para te indicar. Agora não tenho nenhuma”, afirma Fernando Gray, prefeito da cidade Esteban Echeverría há 16 anos e ex-presidente do PJ na província de Buenos Aires. Ele é um dos que se opõem à atual chefia do partido, exercida por Fernández a nível nacional e por Máximo Kirchner a nível provincial.

Depois das eleições, Gray reviveu uma briga antiga com o filho do casal K. e pediu que ambos os líderes nacional e provincial renunciem a seus mandatos, que vão até 2025. Ele argumenta que os dois não têm mais respaldo para liderar depois da derrota presidencial, e os acusa de irregularidades no processo que os elegeu internamente, num caso que hoje está nas mãos da Corte Suprema de Justiça.

Outro que rompeu com esse governo foi o ex-deputado federal e líder sindical Facundo Moyano, que, aos 38, diz estar na fila da nova geração. “A primeira coisa que o peronismo terá que fazer é debater seus novos rostos. Há uma geração política sub-60 que vai dar lugar à antiga. Depois, teremos que discutir o que é o peronismo hoje e suas bases”, defende.

Hector Daer, secretário-geral da CGT, a maior central sindical da Argentina, acredita que novos protagonistas devem surgir no primeiro semestre do ano que vem, com as cartas já dadas no Executivo e no Congresso. “Tudo está muito fresco ainda, vai haver uma reconfiguração política não só do peronismo, mas de todo o cenário político”, avalia.

Ele opina que o movimento terá que encontrar pontos em comum –como a defesa da educação pública– com duas principais forças: o chamado radicalismo, com origem na sigla União Cívica Radical e caracterizado por princípios democráticos, e setores mais centristas do PRO, partido de Mauricio Macri, que agora ressurgiu ao lado de Milei. “Temos claro que a saída é institucional e política. Uma coisa é ser opositor, outra é ser destruidor”, diz.

Na visão de Menéndez, prefeito de Merlo, o foco agora deve ser uma boa atuação dos prefeitos, governadores e legisladores peronistas eleitos. “Eles têm que fazer o seu papel e ouvir os anseios da população, o que não conseguimos fazer bem [no último ciclo]. Seria uma loucura dizer agora que fulano será o próximo líder. A quem isso importa?”, questiona.

O peronismo também viu seu poder diminuir nos governos locais e em parte do Congresso, ainda que tenha se mantido como principal força no Legislativo. Passou de 118 para 108 deputados, de 32 para 35 senadores e de 16 para 8 governadores. Nas eleições presidenciais de novembro, só ganhou em 3 províncias, contra 19 no pleito de 2019.

Um dos únicos nomes que saiu forte das urnas foi o do kirchnerista Axel Kicillof, reeleito com ampla margem governador da província de Buenos Aires, que fica ao redor da capital –cidade cujo governo é autônomo– e concentra quase 40% dos argentinos. Muitos dentro do movimento, porém, duvidam que ele consiga assumir a dianteira tendo que lidar com os problemas locais e com Milei na Presidência.

O futuro de Sergio Massa, derrotado pelo ultraliberal, também é incerto. Por enquanto, ele segue líder de seu partido Frente Renovadora, um dos pilares da coalizão peronista. A avaliação geral é de que Massa não se saiu mal, considerando que concorreu enquanto ministro de uma economia em crise. “Vai depender da sua vontade, mas ele pode ser um grande protagonista nos próximos anos”, diz Menéndez.

Alberto Fernández já fala em se afastar da política e ir dar aulas na Espanha, e Cristina Kirchner se mantém em silêncio, como fez durante a campanha diante de altas taxas de rejeição, depois de ter insistido em abrir espaço para novas gerações. Mas ninguém duvida de seu ressurgimento, como já aconteceu outras vezes.

JÚLIA BARBON / Folhapress

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