Pesca do salmão divide a Islândia, e Björk lidera protestos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Na véspera da partida entre Islândia e Argentina pela Copa do Mundo de 2018, em Moscou, o jornalista argentino quis fazer uma gracinha com o colega europeu. Seria a estreia do país escandinavo em mundiais.

“Você já encontrou a Björk na rua?”

“Todos que moram na Islândia já encontraram a Björk”, foi a resposta.

A cantora de 58 anos é um dos três fatores que tornam o pequeno país, de 382 mil habitantes, conhecido no exterior. Os outros são turismo e pesca. Todos se fundiram quando a artista abriu a ferida de uma das maiores discussões nacionais no momento: a pesca do salmão.

“É uma crueldade extraordinária”, disse Björk antes de lançamento de uma música com a cantora catalã Rosalía. Ela prometeu doar os royalties da obra para ativistas que lutam contra a indústria do salmão em cativeiro na sua terra natal.

A cantora está do lado oposto de celebridades como os músicos Eric Clapton e Roger Waters, os atores Kevin Costner e Cameron Diaz e o ex-jogador David Beckham. Todos já postaram fotos pescando em locais remotos da Islândia. Alguns são investidores de empresas estrangeiras que atuam no mercado.

Estar contra ou a favor da pesca do salmão tem dividido comunidades. No interior, em cidades pequenas onde estão empresas multinacionais do setor, os habitantes se beneficiam da geração de empregos, de renda e veem a oposição como algo de elite, especialmente vindo da capital Reykjavik.

“São diferentes visões. Depende onde você vive. Não é uma opinião uniforme. Mas isso dividiu o país, porque nos locais onde está a chamada pesca do salmão de fazenda, as opiniões costumam ser mais favoráveis à indústria”, disse à Folha de S.Paulo o professor Sveinn Agnarsson, diretor do Instituto de Economia da Universidade da Islândia.

O salmão é o peixe em ascensão em uma indústria vital para a nação escandinava. O mercado emprega cerca de 7.500 pessoas, o que representa 4% da força de trabalho local. A pesca significa 8% do PIB (Produto Interno Bruto) de forma direta. Se levadas em conta atividades indiretas, o percentual chega a 25%.

A tecnologia desenvolvida pela iniciativa privada faz com que a Islândia seja um dos países mais eficientes na indústria da pesca.

“É uma questão vital e está sendo debatida no Congresso. São feitas pesquisas para medir o humor popular porque a pesca também é o passatempo favorito da classe trabalhadora”, completa Agnarsson.

A última foi realizada em novembro do ano passado. Foram 69% os entrevistados que se colocaram a favor da proibição da pesca de salmão conhecida como open-pen. Mas, em fiordes remotos (como são chamados longos e estreitos braços de mar que atravessam montanhas), o sistema encontra apoio.

Trata-se de método em que os salmões são criados em uma espécie de jaula de formato redondo, dentro do mar ou rios. Ficam ancorados em estuários ou marinas para serem protegidos de predadores. São diferentes dos salmões selvagens, espécie que os islandeses fazem de tudo para preservar.

“É uma forma cruel de criação e de pesca. E também não é segura”, diz Ragnar Arnason, também pesquisador da Universidade da Islândia.

Notícias de que salmões escaparam de diferentes jaulas no país causaram comoção nos últimos meses. Pescadores amadores se mobilizaram para capturá-los.

“A natureza do salmão é crescer no rio, ir para o oceano e depois voltar. Se você o mistura com outros tipos de salmão, mudam as características de todos. É um problema ambiental”, lembra ele.

O medo de autoridades locais é que ocorra uma espécie de efeito sistêmico, porque a imagem da Islândia como um lugar remoto, de natureza preservada, pode ser afetada por indústria vista como predatória e poluidora.

No país, os donos das terras também controlam os rios que passam pelas propriedades. As águas são terceirizadas para empresas que pescam e vendem salmões. Preferencialmente, para o exterior, porque o preço é maior. O mercado interno tem sido abastecido por peixes de qualidade inferior, às vezes em pedaços, sinal de que foram mutilados para esconder partes em decomposição.

Esse mercado é explorado por empresas estrangeiras, principalmente norueguesas, com quem os islandeses possuem rivalidades que vão além da questão econômica.

De acordo com dados do Instituto de Pesquisa Marina e de Águas do país, 525 mil salmões foram retirados das jaulas em fevereiro deste ano por não estarem em condições para consumo.

O país também explora a pesca de outras espécies, como hadoque, bacalhau e verdinho.

O salmão ganha relevância porque países como Reino Unido só consomem esse tipo de peixe criado em cativeiro. O mesmo para outras nações escandinavas e em partes dos Estados Unidos.

Tais problemas e protestos de celebridades, especialmente Björk, fizeram com que o governo tentasse responder às críticas de falta de fiscalização. Tramita no Congresso projeto de lei que pretende criar normas para criação do salmão em cativeiro, em teoria, sem afetar, o valor do mercado e a atuação de empresas.

“Tudo tem um impacto. A Islândia compete atualmente com a Rússia e Noruega, porque a pesca de salmões é muito limitada em outras regiões. Os preços continuam subindo, sinal de que o interesse ainda existe. Mas algo precisa ser feito porque a força do turismo da Islândia, o que rende milhões e milhões de euros anualmente para o país, é se vender como um lugar inexplorado. E quando você vê uma jaula de salmões em cativeiro em um rio, essa imagem muda imediatamente”, diz Agnarsson.

Ele só não dá muita atenção aos protestos de Bjork. Por que dar tanta atenção a uma celebridade que você pode encontrar na rua a qualquer hora?

ALEX SABINO / Folhapress

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